De forma ardilosa, líderes partidários da Câmara dos Deputados (PMDB, PP, PSDB, PSD, PSC, PTB e DEM) requisitaram que se vote com urgência, sem leituras ou mais discussões, um projeto de lei que visa liquidar com o artigo 231 da Constituição Federal – “Dos Índios”. A temporada de ataque aos direitos indígenas parece não ter fim com o requerimento assinado pelos líderes.
O PLP 227/2012, de relatoria do deputado ruralista Moreira Mendes (PSD-RO), pretende legalizar o esbulho das terras indígenas, bens da União, em benefício de latifúndios (agronegócio) privados, estradas e execução de projetos hidrelétricos, expansão urbana, extração de minérios e toda sorte de infortúnios que tal processo costuma carregar em seu ventre de desgraça.
As artimanhas do projeto de lei estão no fato de que seus autores buscam usar o próprio artigo 231, em seu parágrafo 6º, para consumar mais um decreto de extermínio contra os indígenas – o parágrafo prevê lei complementar impondo exceções ao direito de uso exclusivo dos indígenas das terras tradicionais em caso de relevante interesse público da União.O foco, não obstante, está nas terras indígenas tituladas ou concedidas a particulares não-indígenas antes de 5 de outubro de 1988, batendo na tecla do marco temporal, inexistente conforme entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal. O presidente da casa, deputado Henrique Alves (PMDB/RN), é quem decidirá se o requerimento de urgência entrará ou não na pauta. Confiamos no bom senso do parlamentar em não aceitar mais uma forma encontrada pelos ruralistas de desestabilizar a relação da Câmara dos Deputados com os povos indígenas.
Fica nítida a intenção de transformar o antídoto contra a espoliação das terras indígenas em veneno para corroer direitos garantidos pelo Estado brasileiro depois de séculos de assassinatos, torturas, roubos e mortes contra os povos indígenas. Com o projeto de lei, aquilo que é de relevante interesse da União passa a atender interesses privados de ruralistas (latifundiários, fazendeiros, agrobandeirantes) e toda rede do agronegócio, além de barrageiros, construtoras, madeireiros, mineradoras e os oportunistas de plantão. Enfim, as quadrilhas de sempre.
É flagrante o golpe em curso, de acordo com consenso das organizações indígenas e indigenistas. Primeiro por conta do regime de urgência, que aliena qualquer discussão e a possibilidade do argumento contrário dos principais atingidos, os povos. Segundo porque se utiliza um instrumento do sistema político democrático de forma autofágica, ou seja, é um golpe contra o próprio sistema. Trata-se de banditismo também, pois como o mais exímio batedor de carteiras a bancada ruralista pretende surrupiar dos povos indígenas algo que lhes pertence e garante a vida plural dentro da nação.
O PLP 227 é parte da tática ruralista em atacar, com a tramitação de vários projetos de leis e de emendas à Constituição, o direito de ocupação e permanência dos indígenas em suas terras tradicionais. Os estrategistas de tamanho ataque são figuras como o deputado ruralista Paulo Cesar Quartieiro (DEM/RR), o eterno recalcado pela homologação da Terra Indígena Serra do Sol (RR).
Conforme matéria do jornal O Globo (edição do último domingo, dia 14), o parlamentar sugeriu, em reunião numa mansão de Brasília, um golpe para garantir a deposição da presidente Dilma e imediatas novas eleições, nos mesmos moldes do ocorrido no Paraguai contra Fernando Lugo. É esse tipo de mentalidade que pretende saquear as terras indígenas e as áreas de preservação ambiental, transformando o interesse público em parque de diversões das vontades de alguns grupos econômicos.
Mais uma vez a Convenção 169 da OIT é violada, porque todo projeto que afete as terras indígenas precisa ser precedido de consulta prévia. A urgência pedida pela bancada ruralista é então um escárnio completo. O Cimi espera que os parlamentares, sobretudo o presidente Henrique Alves, não cedam ao desatino de tal proposta, percebam a sobreposição do interesse privado ao público e tomem uma atitude “republicana” com a rejeição o PLP 227/2012 e sua descabida urgência.
A sociedade brasileira não pode aceitar que o Congresso Nacional transforme atos de relevante interesse público da União em quintais do latifúndio privado no país.
Conselho Indigenista Missionário – Cimi