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Nota Pública da ANNEB – Aliança de Negros e Negros Evangélicos do Brasil contra o crescimento do fundamentalismo religioso.

contraoracismo

NOTA PÚBLICA Nº 01 – 2013
 
Tema: Últimos acontecimentos em torno da eleição da Presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal
 
Assunto: Pronunciamento

Nós, da ANNEB – Aliança de Negros e Negros Evangélicos do Brasil vimos reafirmar o nosso compromisso com as Sagradas Escrituras (AT e NT), cujos valores inspiram a nossa luta contra toda e qualquer forma de discriminação à dignidade humana. O próprio Senhor Jesus Cristo, em seu evangelho, nos constrange a buscar entre todas as pessoas e de forma integral (Corpo, Alma e Espírito) uma vivência marcada pelo amor, pela justiça e pela paz, como testemunho autêntico de fé e compromisso com o seu Reino, principalmente com aquelas e aqueles que são consideradas e considerados mais vulneráveis em nossa sociedade.
Afinal, como bem diz o evangelho de Lucas 9.56 “O Filho do homem não veio para destruir as almas das pessoas, mas, para salvá-las”. Consequentemente, Jesus Cristo, por não fazer acepção de pessoas, convida a todos à vida plena, ao continuar dizendo: “Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei” (Mt.11.28).
Isto posto, é nesse espírito de paz, justiça e amor que, de forma firme e irrevogável, nós, afiliadas e afiliados da ANNEB, repudiamos veementemente os pronunciamentos injuriosos contra as mulheres, os afrodescendentes e os homossexuais, proferidos pelo atual Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal.

Justificativa:
1. Nós, brasileiras e brasileiros, formamos um povo plural do ponto de vista étnico-racial. A diversidade assim compreendida é pauta atual e imprescindível nas relações sociais, institucionais e religiosas. Ao mesmo tempo é tão antiga como a imagem do corpo utilizada por Paulo (I Cor. 12.12), a qual evidencia a importância das diferenças das partes e a igualdade de valor de todas para o bom funcionamento do corpo, mesmo diante de classificações preconceituosas como: esta parte é melhor ou mais nobre que outras.
2. Embora afirmemos o ensino bíblico de que Deus criou a mulher e o homem e que esta é a sexualidade reconhecida pelas Igrejas Evangélicas, respeitamos o direito de escolha das pessoas homoafetivas, visto que vivemos numa sociedade democrática. Todavia, entendemos serem também inalienáveis os direitos iguais aos evangélicos no que tange à opção pela heterossexualidade.
Com efeito, o impasse que ora se estabelece na sociedade exige de todos nós, serenidade, maturidade e, sobretudo, responsabilidade em nossos discursos. Por isso, lamentamos a falta de preparo científico e amor fraterno do atual Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, ao se pronunciar sobre temas, que no mínimo, nos convida a uma reflexão mais criteriosa.
A propósito, segundo Freitas, Arantes e Perilo (2010), essa possível virada icônica; hetero-homo; deve ser vista tanto no sentido da sexualidade-afetiva, quanto numa perspectiva política. De certa forma, a homossexualidade é também uma proposta de reorganização social, implicando em remanejo do capital econômico. Nesse sentido, o movimento homossexual deixa de ser visto como uma mera reação ao moralismo e passa a ser uma resposta à repressão e à exploração perpetrada por um sistema econômico patriarcal que junto com a modernidade já dá sinais de exaustão. Por aí se vê, que meros reducionismos ou mesmo, a violência verbal, não servirão em nada para dignificar o debate democrático. Isto posto, entendemos que precisamos de um moderador, cujo perfil esteja profundamente comprometido com a diversidade cultural e religiosa do nosso país. Não vemos esse perfil na atual presidência.
3. Reconhecemos que o racismo, os preconceitos e as discriminações são tratados nas igrejas e nas instituições evangélicas como tabu e com restrições. O assunto tem ensejado idéias de demonização e negativismo a respeito do povo negro e de seus costumes e tradições. Um exemplo disso são as afirmações do atual Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, primeiro, atribuindo uma pseudo-maldição bíblica sobre as e os afro-descendentes, o que se constitui tanto uma perversidade, quanto um desrespeito crasso da exegese bíblica. Em tempo, a interpretação de textos sagrados a serviço da política ou mesmo da dominação e do controle social, não tem sido incomum na história da humanidade.
Nesta mesma linha de raciocínio, segue a segunda afirmação do Presidente em apreço, reforçando as representações machistas, ao propor a negação de direitos iguais às mulheres. Certamente, o mesmo não conhece a realidade das mulheres brasileiras, a começar de sua própria comunidade de fé. Não sabe que no país em que vive, mais da metade das famílias são monoparentais, chefiadas por mulheres. O nobre Senhor, não acompanha os jornais que diuturnamente demonstram que nossas mulheres estão sendo assassinadas. Certamente, o mesmo não tem tido interesse de acompanhar os últimos relatórios do Conselho Mundial de Igrejas que demonstram que “68% dos atendimentos a mulheres vítimas de violência, a agressão aconteceu na residência”.
Portanto, é inadimissível um parlamentar tão inconsequente em seus discursos os quais certamente, não representa as evangélicas e os evangélicos, as brasileiras e os brasileiros, incluindo católicas e católicos, comprometidas e comprometidos com uma vivência consciente dos valores do Reino de Deus (Paz, Justiça e Amor).
Nós da ANNEB entendemos, portanto, que dependendo da epistemologia cultural que uma dada sociedade alimente, haverá ou não respeito com a diversidade cultural de suas cidadãs e de seus cidadãos. E as religiões reúnem universos culturais simbólicos altamente diversos, por isso, a discussão dos direitos humanos certamente passa também pelo viés religioso. Do contrário, como bem nos lembra (Leitão e Vieira, 2010), “resta-nos a astúcia da ideologia da guerra e da classe oposta à outra”.

Referências

FREITAS, Fátima Regina Almeida; ARANTES, José Estevão Rocha; PERILO, Marcelo de Paula Pereira. Combatendo o preconceito: Discriminação e homofobia – Curso de Especialização, Diversidade Cultural e Cidadania, Universidade Federal de Goiás, 2010.
INFORMATIVO REGIONAL DA IGREJA METODISTA. 5ª RE. Ano 16. Janeiro-Fevereiro de 2013.
LEITÃO, Rosani Moreira e VIEIRA, Marisa Dama. Diversidade cultural e Cidadania In CIAR (Centro Integrado de Aprendizagem em Rede, UFG), 2010.

Assessoria:
Rev. José Roberto Alves Loiola Relatoria Ministerial
Encaminhada para ANNEB-DF em 02/04/2013.

OAB e entidades sociais denunciam Feliciano e Bolsonaro por campanha do ódio

Porque coisa boa também merece ser anunciada! O nosso muito obrigada à todos os deputados e deputadas que estão na Frente Parlamentar de Direitos Humanos, às entidades da sociedade civil, à OAB e à todos que não fecharam os ouvidos aos apelos da população brasileira, sobretudo aqueles que mais precisam de atenção e segurança! Juntos somos mais fortes!

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Liderando um grupo de mais de vinte entidades ligadas aos direitos humanos, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) enviará, na próxima semana, representação ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, contra os parlamentares Marco Feliciano (PSC-SP) e Jair Bolsonaro (PP-RJ). A entidade quer que a Corregedoria da Câmara puna os dois por quebra de decoro parlamentar em virtude de divulgação de vídeos considerados difamatórios.

Em um dos vídeos, Bolsonaro teria editado a fala de um professor do Distrito Federal em audiências na Câmara para acusá-lo de pedofilia e utiliza imagens de deputados a favor da causa homossexual para dizer que eles são contrários à família.

Para o presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, Wadih Damous, essas campanhas de ódio representam o rebaixamento da política brasileira. “Pensar que tais absurdos partem de representantes do Estado, das Estruturas do Congresso Nacional, é algo inimaginável e não podemos ficar omissos. Direitos Humanos não se loteia e não se barganha”, disse. Indignado com os relatos feitos por parlamentares e defensores dos direitos humanos durante reunião na sede da entidade, Damous garantiu que “a Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB será protagonista no enfrentamento a esse tipo de atentado à dignidade humana”.

A campanha difamatória vem sendo difundida na internet contra os deputados Jean Wyllys (PSOL-RJ), Erika Kokay (PT-DF), Domingos Dutra (PT-MA) e os ativistas Tatiana Lionço e Cristiano Lucas Ferreira, ambos do Distrito Federal. Na reunião com a CNDH da entidade dos advogados estiveram presentes, além dos deputados acusados na campanha difamatória, representantes da secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, do Conselho Federal de Psicologia, e ativistas dos movimentos indígena, de mulheres, da população negra, do povo de terreiro e LGBT.

O deputado Jean Wyllys considerou o encontro extremamente importante para levar para o centro das discussões um tema que é normalmente tratado como um tema menor da política e relegado à periferia aos assuntos de interesse da OAB. Segundo ele, a Frente em Defesa dos Direitos Humanos e Minorias vem fazendo o possível para que os responsáveis pela campanha difamatória não permaneçam impunes. No entanto, o assunto precisa receber uma atenção maior do governo federal, admitiu o parlamentar”

“Estamos falando de um ataque criminoso de parlamentares contra cidadãos brasileiros”, disse o parlamentar. “Eu fico muito feliz com essa decisão da OAB porque o sentimento de desamparo que esses ativistas estão sentindo eu também experimentei. Só que eu tenho uma vantagem: sou deputado federal e tenho minimamente uma estrutura que pode servir de defesa pra mim”.

Fonte: Jornal do Brasil

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Nossos guerreiros Tatiana Lionço e Cristiano Lucas com deputados da Frente Parlamentar de Direitos Humanos e advogados da OAB. Justiça será feita!

Querido Henrique Eduardo Alves

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Sr. Henrique Eduardo Alves, não tenho mais Bíblia em casa, será que terei que comprar uma para conseguir entrar na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, ou adquirir uma saia à altura dos joelhos basta? Cortei meus cabelos recentemente e tenho o desenho de um ser satânico – um elfo – tatuado no braço. Se eu pedir o perdão divino o pastor aceita a minha entrada na Comissão, ou terei que tirar minha tatuagem à laser? Sei que na Câmara Federal Marco Feliciano atua como deputado, mas a CDHM virou um culto evangélico e eu, como pessoa perdida aos olhos do Senhor, não sou bem vinda lá. Na última quarta-feira, 24/04, nem mesmo na Casa consegui entrar. Fiquei do lado de fora, jogada na calçada, disputando o pouco espaço à sombra que havia disponível com outros ativistas, e só entramos quando o deputado Domingos Dutra apareceu e nos resgatou – meus agradecimentos ETERNOS à ele!

Lá dentro encontrei os únicos militantes que conseguiram alcançar os sagrados corredores, antes das portarias se fecharem ao público – leia-se: às pessoas perdidas, com cara de “viado”, “sapatão” e “esquerdista” – e presidente, eles estavam feridos moralmente e fisicamente. Uma companheira foi ameaçada de agressão por um assessor que ela não conseguiu identificar, pois foi retirada antes de ter a oportunidade de reagir. O outro foi chamado de “viado” e convidado à “sair pra porrada” por um segurança.

Enquanto pessoas amontoavam-se do lado de fora e outras eram violentadas do lado de dentro, a CDHM recebia os evangélicos de braços abertos. Feliciano deu ordens para a polícia da Casa deixar as pessoas entrarem de acordo com os seus perfis. Uma medida, no mínimo, arbitrária. O único indivíduo contrário a Feliciano que conseguiu entrada na Comissão teve a boca fechada e foi retirado aos empurrões por se manifestar. O único espaço que tem se mostrado receptivo a nós é a Frente Parlamentar de Direitos Humanos, o único ponto de lucidez presente nesse Parlamento, tão omisso às necessidades do povo e tão fragilizado pelas suas bancadas baseadas em interesses pessoais e acordos políticos.

É por isso, Sr. presidente, que escrevo, que grito, que luto, que me revolto, que me arrisco e que me exponho. Porque não é só a cidadania que está ferida, é a laicidade do Estado que foi espancada, a partir do momento em que as portas se fecharam ao resto das pessoas e se abriram à uma pequena fração de evangélicos fundamentalistas. Perde a democracia, o Parlamento e a população brasileira, em favorecimento às vontades de um pastor/deputado que se julga maior que o próprio povo que diz representar.

Atenciosamente,

Ana Vitória.

Mulher, humana, brasileira.

Material de divulgação dos atos na CDHM – Capa para facebook.

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(Clique na imagem acima para vê-la em tamanho original)

IV Vigília pelo Estado Laico e Direitos Humanos

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Somos todos Cristiano e Tatiana!

Por Ana Vitória Sampaio

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Na última semana vimos mais um militante ser vítima do deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ). Da mesma forma que fez anteriormente com Tatiana Lionço, que teve sua palestra editada de forma tendenciosa ao ponto de colocá-la como defensora da pedofilia, Cristiano Lucas Ferreira não escapou da violência moral que o deputado acostumou-se a  golpear seus oponentes. Um vídeo gravado em um contexto específico de protesto, em que Cristiano aparece respondendo a alguém num claro ato de defesa da sua condição, foi editado, cortado e divulgado nas redes sociais de maneira manipuladora e vexatória, tendo a palavra “orgulho” transformada em “c*”. Agora todos sabem o seu nome, sobrenome, local de trabalho e número de matrícula na Secretaria de Educação do Distrito Federal.  Muitos apelam para o artigo 5º da Constituição que prevê a livre expressão de pensamento e de crença, mas nem todos se lembram de seu outro parágrafo que afirma: “X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” . Tenho que destacar, também, que diversos usuários do Youtube viram seus comentários em defesa de Cristiano desaparecerem rapidamente da página do deputado, e que EU não consegui fazer mais nada pela minha conta. Nem mesmo comentar outros vídeos ou responder mensagens privadas que haviam deixado para mim. Reinaldo Azevedo, quem é o ditador aqui?!

O problema é que nem Cristiano e Tatiana gozam de imunidade parlamentar. O problema é que eles são trabalhadores inseridos na dura realidade do mercado, como a maioria dos brasileiros. O problema é que os episódios dos quais foram vítimas provam os riscos que ainda existem em levantar uma bandeira. Porque Bolsonaro pode ser autor de atos ofensivos, como mandar ativistas darem o c* (aliás, que obsessão é essa que ele tem pelo reto?), enquanto nós não podemos nem nos defender. Do contrário nossas palavras serão manipuladas, nossos rostos estarão estampados internet afora, com nossos endereços de trabalho disponíveis para qualquer um ir nos “visitar”. Enquanto o deputado tem à sua disposição seguranças para garantir trajetos tranquilos, nós andamos de ônibus ou em carros populares financiados em 3  anos.

Hoje as vítimas são Cristiano e Tatiana. Amanhã seremos eu e você, tendo nossas vidas e intimidades escancaradas à qualquer ser mal intencionado e preocupado com nossas partes íntimas.

Termino aqui com um texto de Cristiano. Que tenhamos a mesma coragem que ele! Virtude que tenho valorizado cada dia mais:

Sobrevivi a um pai homofóbico, violento e alcoolatra;
Sobrevivi aos murros, chutes, cuspidas, xingamentos na infância;
Sobrevivi a um estupro coletivo na adolescência;
Sobrevivi ao primeiro ano de minha já longa carreira como professor quando em 94, os pais obrigaram a diretora da escola onde trabalhava a trocar meus alunos e alunas de sala, por eu ser… gay;
Sobrevivi as dificuldades para entrar numa universidade pública;
Sobrevivi a homofobia na Casa de Estudantes onde morava;
Sobrevivi a perseguição política desde que comecei a militar no movimento estudantil, no MST, no movimento sindical;
Sobreviverei novamente;
Sobreviveremos!
“Cuidado, moço!
Cuidado com esse ser que educa
Porque ele tem pacto com a imortalidade
E compromisso com a verdade e a LIBERDADE!

Obrigado, pessoal, pelo apoio!

Pedido!

As organizações abaixo assinadas vem, publicamente, requerer um posicionamento da Secretaria de Direitos Humanos (SDH/PR) quanto à eleição do Dep. Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal. Com surpresa, temos acompanhado a falta de empenho político da SDH/PR, quanto a um fato que coloca em risco a garantia dos direitos humanos no país. A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara sempre foi uma instituição parceira dos movimentos sociais e da própria SDH/PR na promoção dos direitos humanos.
Até o momento, não tomamos conhecimento de nenhum posicionamento oficial da pasta sobre a presidência da Comissão ser ocupada por um deputado declaradamente racista e homofóbico. Além disso, também não há nenhuma manifestação ou ação tomada pela SDH/PR quanto às movimentações da Bancada Evangélica na Câmara, capitaneada pelo Partido Social Cristão (PSC), com o objetivo de monopolizar a CDHM com uma explícita agenda de retrocesso de direitos. Isso nos leva a questionar qual o posicionamento da Presidência da República e do Governo Federal no que diz respeito à questão.
Lamentavelmente, esta atitude, que remete a uma omissão da Secretaria de Direitos Humanos e do Governo Federal, ocorre desde o início da atual gestão, quando foram desmobilizados todos os esforços dos movimentos de direitos humanos para a implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos 3, o PNDH3, publicado por meio do Decreto nº 7037 de 21/12/2009. A atual gestão da Secretaria desconstituiu o Comitê Interministerial de Acompanhamento e Monitoramento do programa, previsto no Decreto, e publicamente afirmou que o PNDH traria uma “imagem negativa” para o governo.
A Secretaria de Direitos Humanos tem como missão institucional a defesa e garantia dos Direitos Humanos, especialmente de grupos historicamente discriminados e em situação de vulnerabilidade. É estarrecedora a falta de posicionamento público do Ministério também quanto a outras ações do Governo Federal, como o retrocesso da política de combate à homofobia nas escolas; à internação compulsória de usuários de crack e outras drogas e ao financiamento de comunidades religiosas terapêuticas. A SDH deveria questionar interna e publicamente medidas do próprio governo que retrocedem na garantia dos direitos humanos e fortalecem o fundamentalismo religioso, em uma clara violação da laicidade do Estado. Essas omissões contradizem os discursos emitidos pela Presidenta da República que, internacionalmente, defende a universalidade dos direitos humanos.
Diante dessas questões e tendo em vista que a SDH é o Ministério responsável por garantir a perspectiva de Direitos Humanos estabelecida pelo Governo Federal, requeremos posicionamento deste Ministério e da presidenta Dilma sobre a recente usurpação da CDHM por interesses privados contrários a efetivação dos direitos e sobre os recentes recuos na agenda dos direitos humanos no Brasil, em razão de alianças e pressões de setores religiosos conservadores.
Atenciosamente,
1. ABECIPSI – Associação Brasileira de Editores Científicos de Psicologia
2. ABEP – Associação Brasileira de Ensino de Psicologia
3. ABOP – Associação Brasileira de Orientação Profissional
4. ABPD – Associação Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento
5. ABPJ – Associação Brasileira de Psicologia Jurídica
6. ABPP – Associação Brasileira de Psicologia Política
7. ABPSA – Associação Brasileira de Psicologia da Saúde
8. ABRANEP – Associação Brasileira de Neuropsicologia
9. ABRAP – Associação Brasileira de Psicoterapia
10. ABRAPEDE – Associação Brasileira de Psicologia nas Emergências e Desastres
11. ABRAPEE – Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional
12. ABRAPESP – Associação Brasileira de Psicologia do Esporte
13. ABRAPSO – Associação Brasileira de Psicologia Social
14. ANPEPP – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia
15. AMNB – Articulação das Organizações de Mulheres Negras Brasileiras
16. AMB – Articulação de de Mulheres Brasileiras
17. ASBRo – Associação Brasileira de Rorschach e Métodos Projetivos
18. Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT
19. CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria
20. CFP – Conselho Federal de Psicologia
21. Conectas
22. CONEP – Coordenação Nacional dos Estudantes de Psicologia
23. Conselho Federal de Psicologia
24. Conselho Indigenista Missionário
25. Crioula
26. FENAPSI – Federação Nacional dos Psicólogos
27. FLAAB – FEDERAÇÃO LATINO AMERICANA DE ANÁLISE BIOENERGÉTICA
28. Fórum Cearense de Mulheres
29. IBAP – Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica
30. Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
31. Instituto Negra do Ceará.
32. JusDh – Articulação Justiça e Direitos Humanos
33. Justiça Global
34. MNDH – Movimento Nacional de Direitos Humanos
35. Plataforma Dhesca Brasil – Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais,
Culturais e Ambientais
36. Rede Feminista de Saúde
37. Relatoria Nacional do Direito Humano à Educação
38. Relatoria Nacional do Direito Humano à Terra, Território e Alimentação
39. Relatoria Nacional do Direito Humano ao Meio Ambiente
40. Relatoria Nacional do Direito Humano à Saúde Sexual e Reprodutiva
41. SBPH – Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar
42. SBPOT – Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho
43. SOBRAPA – Sociedade Brasileira de Psicologia e Acupuntura
44. Sociedade Maranhense de Direitos Humanos
45. Sociedade Paraense de Direitos Humanos – SDDH
46. Tambores de Safo
47. Terra de Direitos
48. ASSOCIAÇAO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA
Assessoria de Comunicação: Anderson Moreira, (41) 3232-4660 / 8411-1879
ABGLT – Carlos Magno, (31) 8817-1170
AMB – Guacira Cesar de Oliveira, (61) 3224-1791 / Nilde Sousa (91) 9122-3676
AMNB – Maria Conceição Lopes Fontoura, 51 9956-9992
Conselho Federal de Psicologia – Cristina Bravo, (61) 2109-0107
MNDH – Rildo Marques, (11) 99232-6304
Plataforma Dhesca Brasil – Alexandre Ciconello, (61) 8131-2004

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Espelho quebrado II: a árdua luta pelo reconhecimento dos direitos humanos

Por Ana Vitória Sampaio*

2013-04-10-feliciano-cdhm

Em meados de 2011 apresentei no XXVI Simpósio Nacional de História, realizado pela Anpuh, o trabalho Espelho quebrado: O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) avaliado pelos tefepistas, sob orientação da Profª Drª Gizele Zanotto (UPF), a quem muito estimo. Nesse artigo trabalhei com a visão da Tradição, Família e Propriedade (TFP) sobre a agenda dos direitos humanos no Brasil, focalizando as suas articulações com os PNDH’s.

Esse artigo estava esquecido entre os meus – ainda poucos – trabalhos acadêmicos publicados, e nessa madrugada o reencontrei entre arquivos esquecidos do computador. Esse reencontro me fez lembrar questionamentos importantes que servem para o momento atual. Apesar das discussões sobre a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados estarem focadas na atuação da Bancada Evangélica do Congresso, há aspectos muito semelhantes com as críticas que fiz anos atrás sobre a TFP, um movimento católico conservador que foi, inclusive, um dos grandes críticos do crescimento evangélico no país. Contudo, apesar dos pontos de divergência entre católicos e evangélicos¹, sendo eles conhecidos inimigos históricos pela monopolização da fé cristã, é possível notar uma aproximação discursiva quando se trata da defesa da tradição.

Aqui quero dar um sentido mais amplo ao tradicionalismo, sem creditá-lo à apenas um segmento religioso. A defesa pela família nuclear patriarcal, o modelo mais validado como ideal a ser seguido pela sociedade, pode ser vista como um aspecto dessa tendência, partilhada tanto por católicos quanto por evangélicos. Sabe-se que a Marcha da Família, organizada pelo pastor Silas Malafaia em 2011 como um ato de repúdio ao PLC. 122, foi visitada, também, por segmentos católicos e leigos, completamente estranhos aos cultos das igrejas pentecostais. Nesse episódio presenciamos uma postura um tanto quanto rara, mas que vem se tornando cada vez mais recorrente: inimigos históricos se tornam aliados contra uma ameaça comum. Se essa amizade durará para sempre ou se é uma exceção estratégica, não sabemos. Mas tais acontecimentos são dignos de destaque.

No meu artigo de 2011 trabalhei sobre a alteridade, apresentando o seguinte questionamento antes feito por Lynn Hunt: “Como podem os direitos humanos serem universais se não são universalmente reconhecidos?” (HUNT, 2009: 18). Talvez seja esse o maior problema para a garantia dos direitos humanos no Brasil e no mundo. Parte da revolta existente contra Marco Feliciano (PSC/SP) à frente da CDHM está relacionada à postura que o deputado vem apresentando contra grupos historicamente oprimidos. Seus posicionamentos podem ser traduzidos como negação àqueles que foram identificados como inimigos da tradicional família brasileira. E se em algum momento os direitos humanos visam contemplar a segurança desses grupos tão combatidos, eles próprios tornam-se indignos de reconhecimento. Como afirmado por Emmanuel Levinás:

Salvo para outrem. Nossa relação com ele consiste certamente em querer compreendê-lo, mas esta relação excede a compreensão. Não só porque o conhecimento de outrem exige, além de curiosidade, também simpatia ou amor, maneiras de ser distintas da contemplação impassível. Mas também porque, na nossa relação com outrem, este não nos afeta a partir de um conceito. Ele é ente conta como tal. (LEVINÁS, 1997:26)

Para haver o reconhecimento do outro, é preciso diálogo, troca e empatia. Ontem, 10/04/2013, pude comprovar essa dificuldade. Em mais um protesto contra a CDHM tive a oportunidade de conversar com um evangélico militante pró-Feliciano – oportunidades que só o ativismo concede. Se eu me limitasse ao debate acadêmico, dificilmente isso aconteceria. O homem era bastante simpático e sorridente, em momento algum foi hostil, mas não conseguia dialogar fora da ótica religiosa. Enquanto meu raciocínio estava baseado em um ideal de mundo secular, o dele estava voltado para o alto. E quando uma entidade metafísica como Deus é chamada para a conversa, o ser humano, feito do pó, a este retorna. Apesar de todo o amor por mim declarado, baseado na lógica agostiniana “eu amo você, só não concordo com a sua prática”, estava claro que ele não me reconhecia como sujeito. Talvez me visse como um retrato de si mesmo antes da conversão, ou como a lembrança de alguém próximo, mas para eu me tornar digna de reconhecimento eu teria que me equiparar à um ideal pré-determinado pelos seus dogmas: evangélica, salva do “homossexualismo” e arrebatada pelo amor de Cristo. O homem não sabia que nem homossexual eu sou, e também não sabia se eu era cristã ou não, mas uma vez que eu estou defendendo direitos contrários aos seus ideais, estou fora do que é considerado aceitável.

Em contrapartida reconheço o direito à livre manifestação de pensamento e de crença², e como já apontei anteriormente em outro texto, sei o histórico de intolerância religiosa sofrida pelos segmentos evangélicos. Reconheço, inclusive, o direito daquele homem em gritar o amor de Deus em meio a um protesto. Entretanto, como defensora do Estado Laico, não reconheço o direito de uma religião gerir a minha vida, que é no que se resume os esforços da Bancada Evangélica. 

A luta pelos direitos humanos é árdua, cansativa e demorada. Mas o diálogo é imprescindível e, embora seja difícil, acredito que ele, aliado à informação e ao conhecimento, seja a maneira mais eficaz para que a alteridade aconteça de forma significativa.

¹ É preciso destacar que nem todos os católicos e nem todos os evangélicos entram aqui. Há vários cristãos de diferentes segmentos que estão na luta pelos direitos humanos e o Estado Laico.

² Dentro dos parâmetros do art. 5º da Constituição, que possui vários parágrafos que garantem o respeito à dignidade da pessoa humana acima de qualquer declaração.

 

Bibliografia:

HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

LEVINÁS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Petrópolis: Editora Vozes, 1997.

 

* Ana Vitória é historiadora e ativista. Atualmente está cursando mestrado em História na Universidade de Brasília, no qual trabalha com as discussões acerca da secularização do casamento e do divórcio no Brasil oitocentista.

Ato contra Feliciano e III Vígilia pelo Estado Laico e Direitos Humanos (10/04/2013)

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Obrigado, Feliciano!

Por Eduardo d´Albergaria*. Texto originalmente publicado no site da Cia Revolucionária Triângulo Rosa

 

Há pelo menos 3 décadas, o fundamentalismo religioso vem ganhando espaço no Brasil de forma intensa e silenciosa. Conquistando lugares no parlamento, em cargos executivos, canais de televisão, os fundamentalistas transformaram suas empresas em verdadeiros impérios.

Atuam, sobretudo, nas periferias urbanas, praticamente abandonadas pela Igreja Católica, que até então promovia, nestas áreas, a Teologia da Libertação – isolada e perseguida pela Cúria Romana, que discordava de sua “opção pelos pobres” e pelo seu engajamento nas lutas por direitos.

Os fundamentalistas encontraram terreno fértil para sua pregação: legiões de “sobrantes”, acossados pelo desemprego, pela invisibilidade, pelo terror da violência urbana e policial, ávidos por discursos messiânicos e salvacionistas. No meio da barbárie  e na ausência de projetos coletivos, só mesmo a fé se mostra como caminho de saída do desespero.

Durante a ascensão do fundamentalismo religioso, uma marca sempre esteve presente nos discursos e pregações: a escolha de um inimigo a ser combatido. A velha estratégia de se criar um inimigo fora do grupo, para dar sentido a sua própria existência: uma “batalha espiritual” que divide o mundo entre o bem e o mal.

As primeiras vítimas dos discursos de ódio do fundamentalismo religioso foram as religiões de matriz africana, depreciadas como “rituais macabros”, “manifestações demoníacas”. O(A)s seguidore(a)s do Candomblé e da Umbanda não contaram com a solidariedade da sociedade brasileira. Sozinho(a)s tiveram poucas condições para resistir ao verdadeiro linchamento público a que foram submetido(a)s. Desorganizad@s politicamente, minoritári@s na sociedade e subalternizad@s por um preconceito que, de tão avassalador , sequer se reconhece sua existência: o racismo.

Essa fragilidade das religiões afro tem origem histórica.  Vítimas de uma abolição tutelada, os praticantes do candomblé e da umbanda tiveram, durante muito tempo, sua religiosidade considerada crime e só conseguiam manter abertos seus terreiros caso se  submetessem à proteção de um coronel que trocasse liberdade religiosa por votos.

Curiosamente, os mesmos fundamentalistas que os atacavam (e atacam) incorporam rituais em suas liturgias nos mesmos padrões das religiões de matriz africana. O que levou Vagner Gonçalves da Silva, professor de antropologia da USP, a afirmar: ”Combatem-se essas religiões [afro] para monopolizar seus principais bens no mercado religioso, as mediações mágicas e a experiência do transe religioso, transformando-os em valor interno do sistema neopentecostal.”

Nos últimos anos, os fundamentalistas religiosos resolveram intensificar sua campanha contra outro “inimigo” : os sexodivers@s – gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e todas as pessoas que vivem relações não procriativas (assim, também são rechaçados, em menor intensidade, os heterossexuais que realizam sexo anal e, em alguns casos, até o oral).

Utilizando-se de uma leitura biblica datada, os fundamentalistas controem um moralismo seletivo – não incorporam todas as proibições bíblicas: como, por exemplo, a de cortar o cabelo e a de comer frutos do mar …

Não à toa, os fundamentalistas escolheram este momento para intensificar seus ataques à comunidade sexodiversa: a governabilidade conservadora dos governos Lula/Dilma – que unificou, na mesma base de apoio, parlamentares “progressistas” e parlamentares fundamentalistas – fez com que muitos dos tradicionais aliados da diversidade sexual – parlamentares do PT, PC do B, PSB – se omitissem na disputa contra o fundamentalismo religioso, agora seu aliado na sustentação de governo. Resultado: deputados-pastores transformaram o plenário do Congresso e programas de TV em púlpitos de sua pregação de ódio e encontraram abandonado o cenário de disputa de valores. Some-se a isso que a resistência não tem vindo de fora do parlamento: o movimento LGBT hegemônico é hoje composto por ONGs que se encontram totalmente tragadas pela dependência ao Estado e reféns do Governismo.

Enquanto isso, a comunidade sexodiversa está totalmente domesticada pelo mercado Pink. A maior vitória do neoliberalismo sobre a comunidade sexodiversa foi consolidar a ideia de que “chique é consumir”, que se engajar numa causa social e refletir sobre o mundo são coisas “cafonas” ou “pagar mico”.

Na esteira do medo e da culpa, os fundamentalistas tentam abrir um novo e lucrativo mercado: o da cura pela “Psicologia Cristã”. Como as normas do Conselho Nacional de Psicologia não reconhecem esta “reorientação de desejo”, os fundamentalistas tentam agora, por meio de sua bancada no Congresso Nacional, fazer uma intervenção no Conselho de Psicologia para mudar as normas da profissão.       Nessa sucessão de “batalhas espirituais”, os fundamentalistas também miraram os povos indígenas. Ressuscitando a velha retórica “missionária” de um povo a ser salvo pela “palavra cristã”, construíram relações bastante complicadas com os povos indígenas. Chegaram até mesmo a propor, no Congresso Nacional, um projeto que estabelece a visão de que os povos indígenas são infanticidas (até postaram no youtube um filme falsamente documental). Não por acaso, simultaneamente, abriram um vasto mercado de captação de recursos financeiros explorando adoções de crianças indígenas e o desconhecimento por estrangeiros da  realidade dos nossos mais de 220 povos nativos.

Também os usuários de substâncias psicoativas  foram alvo do proselitismo dos fundamentalistas. Na esteira da falência da “guerra às drogas” e na ausência de uma política de educação e saúde mental que construa a autonomia dos sujeitos frente a estas substâncias, os fundamentalistas multiplicaram outro mercado lucrativo: o da cura pela conversão. Em todo o país, “comunidades terapêuticas” recebem recursos públicos para sustentarem seu proselitismo religioso junto aos dependentes químicos.

Mas por que os fundamentalistas escolheram as religiões afro, @s sexodivers@s e os povos indígenas como seus inimigos? Por que não escolheram a religião católica, ainda majoritária no país e com a qual eles disputam espaço?

Uma marca dos fundamentalistas é a covardia: eles só enfrentam inimigos muito mais frágeis que eles. Do total da população brasileira, 1,5% é de seguidores das religiões afro, 5 a 10%  se declaram homossexuais de %, e menos de 900 mil brasileir@s se declaram indígenas. Além de minoritários, esses grupos, têm sido historicamente estigmatizados e inferiorizados.

Certamente, tão cedo, não veremos uma Santa ser chutada novamente por um pastor fundamentalista, mas terreiros seguem sendo violados Brasil a fora sem que isso cause grandes comoções.

O caminho da ascensão fundamentalista vem sendo trilhado sem qualquer resistência: exploração da fé de um povo dilacerado; constituição de um moderno curral eleitoral – transformando Cristo em Cabo Eleitoral –; influência crescente no Parlamento e nos executivos; poder crescente no oligopólio brasileiro de informação; comunidades terapêuticas, empresas de shows, editoras, isenção de impostos…

Uma trajetória que dilacera, aos poucos, nosso nunca integralmente conquistado Estado Laico: leis que, de forma crescente, estabelecem os valores dos fundamentalistas como obrigatórios para o restante da sociedade, proselitismo religioso nas escolas públicas, transferência de dinheiro público para subsidiar comunidades terapêuticas, dinheiro público para marchas para “Jesus”, dinheiro público para parques gospel…

Até que os fundamentalistas resolveram dar um passo “maior que suas pernas”: ter seu quadro político mais extremista como presidente da Comissão de Direitos Humanos.       Marco Feliciano é uma caricatura pesada demais para a sociedade brasileira. Além dos “tradicionais” ataques aos sexodivers@s, candomblecistas, umbandistas – que ele chegou até a pregar pelos “sepultamentos” –, o deputado-pastor vai além: ataca todos(as) os(as) negros(as) – classificando-os(as) como “amaldiçoados(as)” e resgatando teologia de tempos de apartheid – e as mulheres. que, e segundo ele, deveriam ser subalternizadas pelos homens.

O sectarismo de Feliciano alcança até mesmo os seguidores do catolicismo, que ele chamou de “religião morta e fajuta” e responsabilizou os católicos carismáticos pelo “avivamentos de satanás”. O deputado-pastor ainda vai mais longe:  na mercantilização da fé, promete milagres em troca de senhas de cartões de crédito e vende carnê da casa própria em plena sessão de transe espiritual. Faz uso de seu mandato público para fins privados: contrata pastores, produtores de vídeo e advogados para suas empresas. Demonstra total incapacidade para lidar com o debate democrático, já que, segundo ele, seus adversários seriam Satanás.

Feliciano é uma figura tão indefensável que seus pares (incluída a revista Veja), para protegê-lo, precisam construir as seguintes estratégias tangenciais, entre outras.

1 – Trasformam o debate em uma briga pessoal entre Jean Wyllys e Feliciano. Tod@s @s deputad@s historicamente comprometidos com os Direitos Humanos são contrários a que um homofóbico racista esteja à frente da Comissão de Direitos Humanos. Por que só personificar em Jean Wyllys? Novamente, a costumeira covardia dos fundamentalistas: eles sabem que ainda há muita rejeição na sociedade ao fato de um homossexual ocupar um cargo público.

2 – Afirmam que é uma perseguição aos cristãos. Não é verdade: é crescente o número de cristãos que dizem não a Marco Feliciano. Mais de 150 pastores e lideranças evangélicas assinaram um manifesto em que solicitam a substituição da presidência da Comissão de Direitos Humanos. Esse pedido também foi feito pela Comissão Justiça e Paz da Cnbb e pelo Conselho de Igrejas Cristãs – que congrega a Igreja Católica, Luterana, Presbiteriana, Metodista e Anglicana.

3 – Tentam deslegitimar os movimentos contra Feliciano dizendo que seria mais importante lutar contra Renan e os mensaleiros. Ora, em quem os senadores fundamentalistas votaram para ocupar a presidência do Senado? E, entre os mensaleiros, não estava um dos parlamentares fundamentalistas, Bispo Rodrigues? Portanto, não há sentido em se relativizar uma luta fundamental, ainda mais quando isso é proposto por alguém que não constrói luta cidadã alguma…

Temos muito a “agradecer” a Marco Feliciano por provocar o surgimento de um movimento amplo e plural em defesa do Estado Laico. A sociedade Brasileira parece ter percebido finalmente o risco do Fundamentalismo Religioso.

A disputa em curso é muito maior do que a de quem irá presidir uma Comissão do Congresso.

A luta para derrubar Marco Feliciano é a materialização do confronto entre as posições em defesa  do Estado Laico e o Fundamentalismo Religioso. O que está em jogo é a opinião da sociedade sobre as liberdades individuais e religiosas, sobre a laicidade do Estado e sobre o perigo fascista do fundamentalismo religioso.

Para derrotar o fundamentalismo, não podemos subestimar seu poder. Seus quadros políticos são preparados e exibem grande capacidade de oratória e convencimento. Mas também seria um erro superestimar sua força. Entendê-los como todo-poderosos que não podem ser derrotados, criaria um sentimento paralisante na sociedade, que pouco contribuiria para o enfrentamento.

Então é importante conhecer, entre outros, os seguintes pontos de fragilidade dos fundamentalistas.

1 – O debate sobre a imensa fortuna dos pastores (inclusive registrada pela revista “Forbes”) os deixa muito fragilizados:  não há “teologia da prosperidade” que explique que essa prosperidade só chegue para pastores, enquanto seus rebanhos seguem massacrados pelo capitalismo selvagem.

2 – Não é tão fácil quanto eles dizem mobilizar sua base social para uma disputa política aberta. Todas as vezes em que eles mobilizaram multidões foi em torno de temas religiosos mais gerais – as marchas são “para Jesus”, a rejeição ao PLC 122 entra como um tema “acessório”. Seu rebanho é composto de um público domesticado pelos poderes constituídos. Quem já o viu presente em um embate no Congresso sente dó daquelas pessoas que ficam acuadas por não entenderem plenamente o que está acontecendo. É verdade que, em tese, os fundamentalistas podem arrastar multidões para o embate público, mas seria uma manobra arriscada tirar essa gente dos currais do fundamentalismo e jogá-la no lugar do contraditório. Eles sabem que os argumentos deles só funcionam sem um contraponto de qualidade.

3 – Felizmente, eles ainda não têm um projeto de poder comum. Cada um tem seu próprio projeto de poder, e os projetos, muitas vezes, se chocam. Feliciano e outros estão jogando para nichos extremistas, ao passo que parlamentares fundamentalistas como Marcelo Crivela sonham em ocupar um cargo majoritário e, para isso, precisam ser mais “amplos”. Um acirramento de conflito, no patamar realizado por Feliciano, é ruim para os planos deles. E, mesmo dentro do mundo religioso, os fundamentalistas disputam territórios de forma bem pouco “elegante”: se hoje Malafaia e Feliciano se unem por senso de sobrevivência, até pouco tempo se matavam pelo controle da Assembleia de Deus.

Embora os fundamentalistas não compartilhem um projeto de poder, eles agem segundo uma lógica política comum, o que dá lastro a uma articulação importante dentro do parlamento e à aliança recente para defender Feliciano. O perigo é que eles tenham tanto poder daqui a alguns anos, que comecem a aventar um projeto de poder comum.

4 – Os fundamentalistas dependem dos evangélicos conservadores não sectários para terem legitimidade  ao falar em nome do “povo evangélico”. No entanto, as lideranças conservadoras não confiam nos propósitos dos mercadores da fé, que, por isso, não podem ir longe demais nos embates, sob o risco de ficarem isolados no próprio mundo evangélico.

5 – Dentro do movimento evangélico, há setores progressistas e inclusivos, hoje muito isolados, e que precisam ser mais visualizados para demonstrar à sociedade que existe sim evangélicos que não são intolerantes.

É pensar essas contradições que dá caminhos mais firmes para o movimento pelo Estado Laico e contra Feliciano.

Dificilmente Feliciano sairá da presidência da Comissão. A não ser que se torne insuportável a pressão institucional crescente:  de seu partido; da Presidência da Câmara, que já se posicionou pela inviabilidade de Marco Feliciano continuar à frente da CDH; da Comissão de Ética, que, diante de uma representação do Psol, julgará o uso do mandato para fins privados.

Feliciano sabe muito bem que, a cada dia que ficar à frente da Comissão, ele ganhará mais votos de um eleitorado extremista.

Ainda que não seja fácil derrubar Feliciano, é fundamental que o movimento siga combativo:  que, a cada dia, os jovens tomem os corredores do Congresso e digam: “Feliciano não nos representa”, que, a cada dia que a CDH se reunir a portas fechadas por incapacidade de sua atual direção de dialogar com os movimentos sociais, a cada dia que uma audiência  se inviabilizar porque os convidados se negam a estar num espaço liderado por um fundamentalista, crescerá, na sociedade, a consciência do perigo do fundamentalismo religioso.

A cada dia que Feliciano fica à frente da Comissão,  cresce a Frente pelo Estado Laico , que já envolve artistas, lideranças religiosas, movimentos sociais, parlamentares e milhares de ativistas nas ruas e nas redes.

Por isso sigamos insistentes e persistentes ….o tempo que for necessário!

E sejamos “justos”: “Obrigado, Feliciano, pelo nosso fortalecimento para combater o fundamentalismo. Nunca estivemos tão fortes e unidos. Obrigado.

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* Eduardo d´Albergaria (Duda) é Cientista Social, Especialista em Políticas Públicas (MPOG) e militante da Cia Revolucionária Triângulo Rosa.