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Vem pra luta, vem!

Por Ana Vitória Sampaio. Texto originalmente publicado aqui
LGBTs, vadias e ativistas independentes na luta contra a liberdade de opressão!

O ano de 2013 ficou marcado como cenário de diversas lutas sociais, principalmente no embate contra o fundamentalismo religioso e o seu crescimento na política do país. Fomos derrotados em algumas frentes e vitoriosos em outras. Mas com certeza a chama do ativismo não se apagou. Desde que Marco Feliciano assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, diversos coletivos do DF e ativistas independentes tem marcado presença em protestos na Câmara Federal. Como os nossos atos são realizados quase que semanalmente (e estamos assim há meses!) é difícil manter o ritmo, a paciência e a organização. É difícil reunir uma multidão para encarar a trincheira toda semana, principalmente em uma quarta-feira a tarde, uma vez que a maioria dos ativistas trabalham e estudam.

Mesmo assim estamos cumprindo o nosso papel e incomodando muito os “machinhos do poder” que querem surrupiar a cidadania de LGBTs, mulheres, negros e demais minorias sociais. Se a luta é difícil, estressante e arriscada (afinal temos enfrentado não só os políticos que declararam guerra contra nós, mas também o seu séquito fiel que também tem marcado presença), podemos comprovar ao longo desses meses a força de vontade que nos rege.

Feliciano não saiu da presidência, mas em compensação a CDHM não aprovou um só projeto desde o dia em que virou um culto religioso. De certa forma isso mostra como a atual comissão está despreparada e enfraquecida, e é inviável que um espaço tão importante do Congresso Nacional continue assim.

Entretanto a nossa luta não se limita à CDHM. O fundamentalismo religioso, representado pela Bancada Evangélica, tem agido em outras comissões e projetos importantes. Na última quarta-feira (05/06) o Estatuto do Nascituro foi aprovado na Comissão de Finanças e Tributação. Tal projeto é um retrocesso aos (poucos) direitos reprodutivos das mulheres já conquistados.
No mesmo dia o pastor Silas Malafaia levou cerca de 40.000 pessoas para a Esplanada dos Ministérios na realização da marcha em defesa da “liberdade de expressão” e da família tradicional. Obviamente que tal feito não seria privado de críticas, e mais uma vez os ativistas brasilienses marcaram presença com seus cartazes, gritos de ordem e corpos pintados.
Com cerca de 200 participantes a contra-marcha saiu do Museu Nacional e deu a volta na Esplanada dos Ministérios, justamente onde Malafaia realizava a sua defesa pela liberdade de opressão e de ódio. Eu quase fui agredida por um evangélico quando ele tentou colocar a mão em mim para “repreender os demônios”. Como resposta mandei língua e ele ficou putíssimo! Veio para cima de mim para bater, o que prova que esses fundamentalistas são mesmo violentos e que de pacífica a marcha do Malafaia não tinha nada. Por sorte a polícia estava escoltando o nosso ato e impediu que eu fosse agredida. Aliás, não sou de elogiar a polícia, mas nesse dia ela esteve de parabéns.
Ao contrário dos evangélicos não temos dinheiro para contratar cantores famosos, fretar ônibus e montar toda uma estrutura na Esplanada em um dia útil, afinal, não recebemos dízimo nenhum. Seria muito fácil reunir uma multidão assim. Mas o pessoal que esteve na contra-marcha está de parabéns. Mesmo sabendo dos riscos que corríamos, conseguimos juntar 200 pessoas em um dia de semana para marcar presença na luta contra o ódio. E mais: sem ônibus e sem lanchinho!  (quem são os manifestantes pagos, ein Malafaia?)

Os fundamentalistas podem até conquistar o que querem, mas não sem a nossa reação. Não iremos nos calar diante das anomalias políticas que estragam o país!Foto: Gabriela Pinheiro.

Comissão extraordinária de Direitos Humanos e Minorias – Edição de Brasília – DF.

É com muita felicidade que venho fazer o seguinte anúncio:

Brasília realizará nesta quarta-feira, dia 22 de maio, às 19 horas, na Praça do Balaio Café, a sua Sessão da Comissão EXTRAORDINÁRIA! de Direitos Humanos e Minorias.
Nos moldes da Sessão da Comissão EXTRAORDINÁRIA! de São Paulo que realizou-se no dia 25 de abril, na Praça Rosa (antiga Praça Roosevelt), e que contou com a participação do deputado Jean Wyllys ( http://migre.me/eDCet ), a Comissão EXTRAORDINÁRIA! é uma afirmação de valores ameaçados hoje, como a tolerância, a diversidade, a convivência, o diálogo, a inclusão e a construção de políticas públicas que se assentem sobre os princípio de um Estado laico, como determina a Constituição. Na sua fala da edição de São Paulo ( http://migre.me/eDC7P ), o deputado Jean Wyllys anunciou que o evento seria realizado, a princípio, também no DF e no RJ. Como nas comissões formais na Câmara dos Deputados, esta também estará composta por uma mesa, na qual estarão sentados parlamentares membros da Frente Parlamentar dos Direitos Humanos e ativistas. O público também terá direito à palavra por meio de inscrição prévia no momento.
Compõe o colegiado da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos os deputados e deputadas federais: Alice Portugal (PCdoB-BA), Arnaldo Jordy (PPS-PA), Chico Alencar (PSOL-RJ), Domingos Dutra (PT-MA), Érika Kokay (PT-DF), Janete Capiberibe (PSB-AP), Janete Pietá (PT-SP), Jean Wyllys (PSOL-RJ), Luiz Alberto (PT-BA), Luiz Couto (PT-PB), Luiza Erundina (PSB-SP), Marina Sant’Anna (PT-GO), Nilmário Miranda (PT-MG), Padre Ton (PT-RO), Paulão (PT-AL) e Vicentinho (PT-SP).
Estarão presentes representantes da Marcha das vadias – DF, CFP (Conselho Federal de Psicologia), OAB, FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicacao), OCUP (OCUP – Organização de Comunicação Universitária Popular), Jornada de Lutas pelo Estado Laico e Direitos Humanos, Cia. Revolucionária Triângulo Rosa, CFEMEA (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), Frente Parlamentar dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, e muito mais!
Informações:
– Comissão Extraordinária de Direitos Humanos – DF
– Data: 22/05/13
– Horário: 19 hs
– Local: Praça do Balaio Café ( CLN 201, Bloco B, Loja 19/31 )
Tels: (61) 7811-4717 (Jul Pagul)
(61) 9271-6820 / 8197-6169 (Jolúzia Batista – CFEMEA)
(61) 3215-1646 (Gabinete do Deputado Jean Wyllys)
Página do evento: https://www.facebook.com/events/166466290188138/
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Apesar de você amanhã há de ser outro dia.

Qualquer ativista que vive em Brasília possui um panorama privilegiado dos acontecimentos políticos do país. Quem não é militante, quem não está nem aí, quem se limita à assinar petições contra mensaleiros – acho válido, mas só isso não é o suficiente – não faz ideia da realidade que nos cerca. Estamos quase concluindo dois meses de luta incessante contra o fundamentalismo religioso no Congresso Nacional, e nossos atos vão desde o embate corpo a corpo nos corredores da Câmara Federal até vigílias pelo Estado Laico.

A mídia direitista, tendenciosa e de moral duvidosa, não cansa de nos pintar como “baderneiros”, “vagabundos” e – pasmem – “futuros ditadores”. Como se entrássemos no Congresso munidos de armas e escudos. Quando gritamos é para fazer valer nosso direito à liberdade de expressão, o nosso direito político, pois democracia não é só representativa, e tem sempre alguém que grita mais alto, que nos golpeia e que caça os nossos direitos – não só o de ir e vir e poder circular dentro da “Casa do Povo”, mas também o direito à opinião. Do contrário, porque na última reunião Feliciano só deixou que pessoas favoráveis à ele entrassem?

Falam tanto em ditadura gay, mas não vejo nenhum gay obrigando um hetero a deixar de ser hetero. Falam tanto em feministas “aborteiras”, mas não vejo nenhuma feminista obrigando alguém a realizar um aborto. O que vejo são projetos absurdos querendo instaurar a cura gay ou obrigar mulheres a aceitarem até os filhos gerados em um estupro.

Enquanto o obscurantismo cresce no espaço político, pessoas das mais diversas cores, credos, classes e orientações sexuais estão, nesse momento, realizando mais uma vigília pelo Estado Laico. Porque a única coisa que temos é a nossa voz e o legítimo desejo para ver esse país se tornar Estado democrático de verdade.

Um recado para uma fundamentalistas: NÓS NÃO VAMOS PARAR! É melhor irem se acostumando, porque ainda iremos incomodar MUITO!

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Fotos por Cícero Bezerra.

Querido Henrique Eduardo Alves

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Sr. Henrique Eduardo Alves, não tenho mais Bíblia em casa, será que terei que comprar uma para conseguir entrar na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, ou adquirir uma saia à altura dos joelhos basta? Cortei meus cabelos recentemente e tenho o desenho de um ser satânico – um elfo – tatuado no braço. Se eu pedir o perdão divino o pastor aceita a minha entrada na Comissão, ou terei que tirar minha tatuagem à laser? Sei que na Câmara Federal Marco Feliciano atua como deputado, mas a CDHM virou um culto evangélico e eu, como pessoa perdida aos olhos do Senhor, não sou bem vinda lá. Na última quarta-feira, 24/04, nem mesmo na Casa consegui entrar. Fiquei do lado de fora, jogada na calçada, disputando o pouco espaço à sombra que havia disponível com outros ativistas, e só entramos quando o deputado Domingos Dutra apareceu e nos resgatou – meus agradecimentos ETERNOS à ele!

Lá dentro encontrei os únicos militantes que conseguiram alcançar os sagrados corredores, antes das portarias se fecharem ao público – leia-se: às pessoas perdidas, com cara de “viado”, “sapatão” e “esquerdista” – e presidente, eles estavam feridos moralmente e fisicamente. Uma companheira foi ameaçada de agressão por um assessor que ela não conseguiu identificar, pois foi retirada antes de ter a oportunidade de reagir. O outro foi chamado de “viado” e convidado à “sair pra porrada” por um segurança.

Enquanto pessoas amontoavam-se do lado de fora e outras eram violentadas do lado de dentro, a CDHM recebia os evangélicos de braços abertos. Feliciano deu ordens para a polícia da Casa deixar as pessoas entrarem de acordo com os seus perfis. Uma medida, no mínimo, arbitrária. O único indivíduo contrário a Feliciano que conseguiu entrada na Comissão teve a boca fechada e foi retirado aos empurrões por se manifestar. O único espaço que tem se mostrado receptivo a nós é a Frente Parlamentar de Direitos Humanos, o único ponto de lucidez presente nesse Parlamento, tão omisso às necessidades do povo e tão fragilizado pelas suas bancadas baseadas em interesses pessoais e acordos políticos.

É por isso, Sr. presidente, que escrevo, que grito, que luto, que me revolto, que me arrisco e que me exponho. Porque não é só a cidadania que está ferida, é a laicidade do Estado que foi espancada, a partir do momento em que as portas se fecharam ao resto das pessoas e se abriram à uma pequena fração de evangélicos fundamentalistas. Perde a democracia, o Parlamento e a população brasileira, em favorecimento às vontades de um pastor/deputado que se julga maior que o próprio povo que diz representar.

Atenciosamente,

Ana Vitória.

Mulher, humana, brasileira.

Movimentos sociais do lado de fora. Evangélicos do lado de dentro (17/04/2013)

Transcreverei o relato do ativista conhecido como Todd Tomorrow e vejam como condiz com os vídeos gravados por nós:

Relato sobre minha visita ao Congresso: Chegamos de ônibus com o pessoal da Educafro. Ja na entrada do anexo III, fomos barrados! A policia legislativa disse que tava muita bagunça e que não deixaria ninguém entrar. Olha só, a casa do povo, tomada pelo poder econômico e pelos obscurantistas. Índios, negros, LGBTs, tudo jogado na calçada. Fizemos algumas manobras, que é melhor não falar aqui porque estamos sendo super monitorados e conseguimos com que algumas pessoas dos movimentos sociais entrassem. Então começamos a pressionar de dentro e de fora. “Deixa o povo entrar! Deixa o povo entrar!” Foi só então que alguns parlamentares foram a porta e fizeram alguma coisa, como pressionar o cuzão do Henrique Alves (PMDB) que ontem saiu correndo dos índios depois de tentar vender suas terras pra bancada ruralista. La dentro, encontramos um cenário desolador. Os manifestantes pró-Feliciano já estavam la, acomodados e tomando suquinho. Tudo pronto pra mostrar pra imprensa suja e mentirosa (Globo, SBT, Band, Record e CIA) que ele tinha amplo apoio. Os poucos manifestantes LGBTs que tinham conseguido entrar até então, estavam exauridos. Quando viram o movimento negro chegando, se encheram de esperança e encontraram forças pro embate dessa guerra cultural instalada no Brasil. Foi lindo! E o Feliciano, ficou chocado! Pois viu que o movimento negro agora ta na fita. No final, a Frente Parlamentar Pelos Direitos Humanos quis falar com a gente e conseguimos cavar uma audiência pública para daqui algumas semanas. Então, se possível e se não for atrapalhar seus planos bitolados, é melhor você se envolver, ou daqui 10 anos o Irã vai ser aqui!

 

Todos os que estiveram na Câmara Federal assinam embaixo do relato de Todd. Eu sou uma das militantes exauridas que o movimento negro encontrou. Assim que entrei na Casa e me dirigi à porta do plenário 9, local onde acontecem as reuniões da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, dei de cara com uma multidão de militantes evangélicos pró Feliciano. Enquanto isso, ativistas do movimento LGBT, do movimento negro e do movimento indigenista eram barrados nas portarias do Congresso Nacional.

Nessa mesma semana o pastor/deputado Marco Feliciano disse no Programa do Ratinho que os manifestantes contrários a ele, aqueles que tem marcado presença na CDHM, são pagos. Só que o que vimos lá foi o contrário. Os membros das igrejas que vão às reuniões são levados por pastores, que fretam ônibus (parece que na última quarta foram cinco veículos só de evangélicos), dão lanche e demais facilidades de acesso à Casa, enquanto os ativistas dos movimentos sociais são tratados com descaso, quando não com violência, pela segurança,  tendo o acesso restrito e, uma vez que conseguimos entrar, barreiras são colocadas ao nosso redor impedindo a nossa locomoção. Uma companheira havia saído para COMER na lanchonete e foi barrada na volta ao corredor de acesso ao plenário 9, só conseguindo passar após muita insistência. Ou seja: estamos sendo obrigados a ficar sem comer e sem ir ao banheiro, necessidades básicas de qualquer ser humano. Enquanto isso os evangélicos possuem facilidades que a nós são negadas, como é possível comprovar no seguinte vídeo:

No vídeo abaixo militantes de direitos humanos tem o acesso restringido à “Casa do Povo”, bem como os membros do movimento negro e do movimento indigenista:

O que temos assistido é um assalto aos fundamentos da laicidade do Estado, aos direitos humanos e à democracia. Nas últimas semanas os corredores da Câmara tem se transformado em espaço para a organização de cultos evangélicos, e a própria Casa tem dado todas as condições para que essas exorbitâncias se perpetuem. Enquanto isso minorias historicamente oprimidas como os LGBTs, os negros e os índios estão sendo censurados permanentemente no uso do espaço que ao povo pertence.

Todavia ainda resta esperança. Ver os movimentos sociais unidos por um único ideal mostra a força que ainda corre em nossas veias, e que muitos indivíduos desse país ainda clamam por justiça. Muito obrigada ao Movimento Negro Unificado e ao Educafro! Somos todos irmãos, estamos juntos nessa e em outras batalhas.

 

“Tchê, Zumbi, Antônio Conselheiro, na luta por justiça somos todos companheiros!”

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Espelho quebrado II: a árdua luta pelo reconhecimento dos direitos humanos

Por Ana Vitória Sampaio*

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Em meados de 2011 apresentei no XXVI Simpósio Nacional de História, realizado pela Anpuh, o trabalho Espelho quebrado: O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) avaliado pelos tefepistas, sob orientação da Profª Drª Gizele Zanotto (UPF), a quem muito estimo. Nesse artigo trabalhei com a visão da Tradição, Família e Propriedade (TFP) sobre a agenda dos direitos humanos no Brasil, focalizando as suas articulações com os PNDH’s.

Esse artigo estava esquecido entre os meus – ainda poucos – trabalhos acadêmicos publicados, e nessa madrugada o reencontrei entre arquivos esquecidos do computador. Esse reencontro me fez lembrar questionamentos importantes que servem para o momento atual. Apesar das discussões sobre a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados estarem focadas na atuação da Bancada Evangélica do Congresso, há aspectos muito semelhantes com as críticas que fiz anos atrás sobre a TFP, um movimento católico conservador que foi, inclusive, um dos grandes críticos do crescimento evangélico no país. Contudo, apesar dos pontos de divergência entre católicos e evangélicos¹, sendo eles conhecidos inimigos históricos pela monopolização da fé cristã, é possível notar uma aproximação discursiva quando se trata da defesa da tradição.

Aqui quero dar um sentido mais amplo ao tradicionalismo, sem creditá-lo à apenas um segmento religioso. A defesa pela família nuclear patriarcal, o modelo mais validado como ideal a ser seguido pela sociedade, pode ser vista como um aspecto dessa tendência, partilhada tanto por católicos quanto por evangélicos. Sabe-se que a Marcha da Família, organizada pelo pastor Silas Malafaia em 2011 como um ato de repúdio ao PLC. 122, foi visitada, também, por segmentos católicos e leigos, completamente estranhos aos cultos das igrejas pentecostais. Nesse episódio presenciamos uma postura um tanto quanto rara, mas que vem se tornando cada vez mais recorrente: inimigos históricos se tornam aliados contra uma ameaça comum. Se essa amizade durará para sempre ou se é uma exceção estratégica, não sabemos. Mas tais acontecimentos são dignos de destaque.

No meu artigo de 2011 trabalhei sobre a alteridade, apresentando o seguinte questionamento antes feito por Lynn Hunt: “Como podem os direitos humanos serem universais se não são universalmente reconhecidos?” (HUNT, 2009: 18). Talvez seja esse o maior problema para a garantia dos direitos humanos no Brasil e no mundo. Parte da revolta existente contra Marco Feliciano (PSC/SP) à frente da CDHM está relacionada à postura que o deputado vem apresentando contra grupos historicamente oprimidos. Seus posicionamentos podem ser traduzidos como negação àqueles que foram identificados como inimigos da tradicional família brasileira. E se em algum momento os direitos humanos visam contemplar a segurança desses grupos tão combatidos, eles próprios tornam-se indignos de reconhecimento. Como afirmado por Emmanuel Levinás:

Salvo para outrem. Nossa relação com ele consiste certamente em querer compreendê-lo, mas esta relação excede a compreensão. Não só porque o conhecimento de outrem exige, além de curiosidade, também simpatia ou amor, maneiras de ser distintas da contemplação impassível. Mas também porque, na nossa relação com outrem, este não nos afeta a partir de um conceito. Ele é ente conta como tal. (LEVINÁS, 1997:26)

Para haver o reconhecimento do outro, é preciso diálogo, troca e empatia. Ontem, 10/04/2013, pude comprovar essa dificuldade. Em mais um protesto contra a CDHM tive a oportunidade de conversar com um evangélico militante pró-Feliciano – oportunidades que só o ativismo concede. Se eu me limitasse ao debate acadêmico, dificilmente isso aconteceria. O homem era bastante simpático e sorridente, em momento algum foi hostil, mas não conseguia dialogar fora da ótica religiosa. Enquanto meu raciocínio estava baseado em um ideal de mundo secular, o dele estava voltado para o alto. E quando uma entidade metafísica como Deus é chamada para a conversa, o ser humano, feito do pó, a este retorna. Apesar de todo o amor por mim declarado, baseado na lógica agostiniana “eu amo você, só não concordo com a sua prática”, estava claro que ele não me reconhecia como sujeito. Talvez me visse como um retrato de si mesmo antes da conversão, ou como a lembrança de alguém próximo, mas para eu me tornar digna de reconhecimento eu teria que me equiparar à um ideal pré-determinado pelos seus dogmas: evangélica, salva do “homossexualismo” e arrebatada pelo amor de Cristo. O homem não sabia que nem homossexual eu sou, e também não sabia se eu era cristã ou não, mas uma vez que eu estou defendendo direitos contrários aos seus ideais, estou fora do que é considerado aceitável.

Em contrapartida reconheço o direito à livre manifestação de pensamento e de crença², e como já apontei anteriormente em outro texto, sei o histórico de intolerância religiosa sofrida pelos segmentos evangélicos. Reconheço, inclusive, o direito daquele homem em gritar o amor de Deus em meio a um protesto. Entretanto, como defensora do Estado Laico, não reconheço o direito de uma religião gerir a minha vida, que é no que se resume os esforços da Bancada Evangélica. 

A luta pelos direitos humanos é árdua, cansativa e demorada. Mas o diálogo é imprescindível e, embora seja difícil, acredito que ele, aliado à informação e ao conhecimento, seja a maneira mais eficaz para que a alteridade aconteça de forma significativa.

¹ É preciso destacar que nem todos os católicos e nem todos os evangélicos entram aqui. Há vários cristãos de diferentes segmentos que estão na luta pelos direitos humanos e o Estado Laico.

² Dentro dos parâmetros do art. 5º da Constituição, que possui vários parágrafos que garantem o respeito à dignidade da pessoa humana acima de qualquer declaração.

 

Bibliografia:

HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

LEVINÁS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Petrópolis: Editora Vozes, 1997.

 

* Ana Vitória é historiadora e ativista. Atualmente está cursando mestrado em História na Universidade de Brasília, no qual trabalha com as discussões acerca da secularização do casamento e do divórcio no Brasil oitocentista.

Ato contra Feliciano e III Vígilia pelo Estado Laico e Direitos Humanos (10/04/2013)

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Obrigado, Feliciano!

Por Eduardo d´Albergaria*. Texto originalmente publicado no site da Cia Revolucionária Triângulo Rosa

 

Há pelo menos 3 décadas, o fundamentalismo religioso vem ganhando espaço no Brasil de forma intensa e silenciosa. Conquistando lugares no parlamento, em cargos executivos, canais de televisão, os fundamentalistas transformaram suas empresas em verdadeiros impérios.

Atuam, sobretudo, nas periferias urbanas, praticamente abandonadas pela Igreja Católica, que até então promovia, nestas áreas, a Teologia da Libertação – isolada e perseguida pela Cúria Romana, que discordava de sua “opção pelos pobres” e pelo seu engajamento nas lutas por direitos.

Os fundamentalistas encontraram terreno fértil para sua pregação: legiões de “sobrantes”, acossados pelo desemprego, pela invisibilidade, pelo terror da violência urbana e policial, ávidos por discursos messiânicos e salvacionistas. No meio da barbárie  e na ausência de projetos coletivos, só mesmo a fé se mostra como caminho de saída do desespero.

Durante a ascensão do fundamentalismo religioso, uma marca sempre esteve presente nos discursos e pregações: a escolha de um inimigo a ser combatido. A velha estratégia de se criar um inimigo fora do grupo, para dar sentido a sua própria existência: uma “batalha espiritual” que divide o mundo entre o bem e o mal.

As primeiras vítimas dos discursos de ódio do fundamentalismo religioso foram as religiões de matriz africana, depreciadas como “rituais macabros”, “manifestações demoníacas”. O(A)s seguidore(a)s do Candomblé e da Umbanda não contaram com a solidariedade da sociedade brasileira. Sozinho(a)s tiveram poucas condições para resistir ao verdadeiro linchamento público a que foram submetido(a)s. Desorganizad@s politicamente, minoritári@s na sociedade e subalternizad@s por um preconceito que, de tão avassalador , sequer se reconhece sua existência: o racismo.

Essa fragilidade das religiões afro tem origem histórica.  Vítimas de uma abolição tutelada, os praticantes do candomblé e da umbanda tiveram, durante muito tempo, sua religiosidade considerada crime e só conseguiam manter abertos seus terreiros caso se  submetessem à proteção de um coronel que trocasse liberdade religiosa por votos.

Curiosamente, os mesmos fundamentalistas que os atacavam (e atacam) incorporam rituais em suas liturgias nos mesmos padrões das religiões de matriz africana. O que levou Vagner Gonçalves da Silva, professor de antropologia da USP, a afirmar: ”Combatem-se essas religiões [afro] para monopolizar seus principais bens no mercado religioso, as mediações mágicas e a experiência do transe religioso, transformando-os em valor interno do sistema neopentecostal.”

Nos últimos anos, os fundamentalistas religiosos resolveram intensificar sua campanha contra outro “inimigo” : os sexodivers@s – gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e todas as pessoas que vivem relações não procriativas (assim, também são rechaçados, em menor intensidade, os heterossexuais que realizam sexo anal e, em alguns casos, até o oral).

Utilizando-se de uma leitura biblica datada, os fundamentalistas controem um moralismo seletivo – não incorporam todas as proibições bíblicas: como, por exemplo, a de cortar o cabelo e a de comer frutos do mar …

Não à toa, os fundamentalistas escolheram este momento para intensificar seus ataques à comunidade sexodiversa: a governabilidade conservadora dos governos Lula/Dilma – que unificou, na mesma base de apoio, parlamentares “progressistas” e parlamentares fundamentalistas – fez com que muitos dos tradicionais aliados da diversidade sexual – parlamentares do PT, PC do B, PSB – se omitissem na disputa contra o fundamentalismo religioso, agora seu aliado na sustentação de governo. Resultado: deputados-pastores transformaram o plenário do Congresso e programas de TV em púlpitos de sua pregação de ódio e encontraram abandonado o cenário de disputa de valores. Some-se a isso que a resistência não tem vindo de fora do parlamento: o movimento LGBT hegemônico é hoje composto por ONGs que se encontram totalmente tragadas pela dependência ao Estado e reféns do Governismo.

Enquanto isso, a comunidade sexodiversa está totalmente domesticada pelo mercado Pink. A maior vitória do neoliberalismo sobre a comunidade sexodiversa foi consolidar a ideia de que “chique é consumir”, que se engajar numa causa social e refletir sobre o mundo são coisas “cafonas” ou “pagar mico”.

Na esteira do medo e da culpa, os fundamentalistas tentam abrir um novo e lucrativo mercado: o da cura pela “Psicologia Cristã”. Como as normas do Conselho Nacional de Psicologia não reconhecem esta “reorientação de desejo”, os fundamentalistas tentam agora, por meio de sua bancada no Congresso Nacional, fazer uma intervenção no Conselho de Psicologia para mudar as normas da profissão.       Nessa sucessão de “batalhas espirituais”, os fundamentalistas também miraram os povos indígenas. Ressuscitando a velha retórica “missionária” de um povo a ser salvo pela “palavra cristã”, construíram relações bastante complicadas com os povos indígenas. Chegaram até mesmo a propor, no Congresso Nacional, um projeto que estabelece a visão de que os povos indígenas são infanticidas (até postaram no youtube um filme falsamente documental). Não por acaso, simultaneamente, abriram um vasto mercado de captação de recursos financeiros explorando adoções de crianças indígenas e o desconhecimento por estrangeiros da  realidade dos nossos mais de 220 povos nativos.

Também os usuários de substâncias psicoativas  foram alvo do proselitismo dos fundamentalistas. Na esteira da falência da “guerra às drogas” e na ausência de uma política de educação e saúde mental que construa a autonomia dos sujeitos frente a estas substâncias, os fundamentalistas multiplicaram outro mercado lucrativo: o da cura pela conversão. Em todo o país, “comunidades terapêuticas” recebem recursos públicos para sustentarem seu proselitismo religioso junto aos dependentes químicos.

Mas por que os fundamentalistas escolheram as religiões afro, @s sexodivers@s e os povos indígenas como seus inimigos? Por que não escolheram a religião católica, ainda majoritária no país e com a qual eles disputam espaço?

Uma marca dos fundamentalistas é a covardia: eles só enfrentam inimigos muito mais frágeis que eles. Do total da população brasileira, 1,5% é de seguidores das religiões afro, 5 a 10%  se declaram homossexuais de %, e menos de 900 mil brasileir@s se declaram indígenas. Além de minoritários, esses grupos, têm sido historicamente estigmatizados e inferiorizados.

Certamente, tão cedo, não veremos uma Santa ser chutada novamente por um pastor fundamentalista, mas terreiros seguem sendo violados Brasil a fora sem que isso cause grandes comoções.

O caminho da ascensão fundamentalista vem sendo trilhado sem qualquer resistência: exploração da fé de um povo dilacerado; constituição de um moderno curral eleitoral – transformando Cristo em Cabo Eleitoral –; influência crescente no Parlamento e nos executivos; poder crescente no oligopólio brasileiro de informação; comunidades terapêuticas, empresas de shows, editoras, isenção de impostos…

Uma trajetória que dilacera, aos poucos, nosso nunca integralmente conquistado Estado Laico: leis que, de forma crescente, estabelecem os valores dos fundamentalistas como obrigatórios para o restante da sociedade, proselitismo religioso nas escolas públicas, transferência de dinheiro público para subsidiar comunidades terapêuticas, dinheiro público para marchas para “Jesus”, dinheiro público para parques gospel…

Até que os fundamentalistas resolveram dar um passo “maior que suas pernas”: ter seu quadro político mais extremista como presidente da Comissão de Direitos Humanos.       Marco Feliciano é uma caricatura pesada demais para a sociedade brasileira. Além dos “tradicionais” ataques aos sexodivers@s, candomblecistas, umbandistas – que ele chegou até a pregar pelos “sepultamentos” –, o deputado-pastor vai além: ataca todos(as) os(as) negros(as) – classificando-os(as) como “amaldiçoados(as)” e resgatando teologia de tempos de apartheid – e as mulheres. que, e segundo ele, deveriam ser subalternizadas pelos homens.

O sectarismo de Feliciano alcança até mesmo os seguidores do catolicismo, que ele chamou de “religião morta e fajuta” e responsabilizou os católicos carismáticos pelo “avivamentos de satanás”. O deputado-pastor ainda vai mais longe:  na mercantilização da fé, promete milagres em troca de senhas de cartões de crédito e vende carnê da casa própria em plena sessão de transe espiritual. Faz uso de seu mandato público para fins privados: contrata pastores, produtores de vídeo e advogados para suas empresas. Demonstra total incapacidade para lidar com o debate democrático, já que, segundo ele, seus adversários seriam Satanás.

Feliciano é uma figura tão indefensável que seus pares (incluída a revista Veja), para protegê-lo, precisam construir as seguintes estratégias tangenciais, entre outras.

1 – Trasformam o debate em uma briga pessoal entre Jean Wyllys e Feliciano. Tod@s @s deputad@s historicamente comprometidos com os Direitos Humanos são contrários a que um homofóbico racista esteja à frente da Comissão de Direitos Humanos. Por que só personificar em Jean Wyllys? Novamente, a costumeira covardia dos fundamentalistas: eles sabem que ainda há muita rejeição na sociedade ao fato de um homossexual ocupar um cargo público.

2 – Afirmam que é uma perseguição aos cristãos. Não é verdade: é crescente o número de cristãos que dizem não a Marco Feliciano. Mais de 150 pastores e lideranças evangélicas assinaram um manifesto em que solicitam a substituição da presidência da Comissão de Direitos Humanos. Esse pedido também foi feito pela Comissão Justiça e Paz da Cnbb e pelo Conselho de Igrejas Cristãs – que congrega a Igreja Católica, Luterana, Presbiteriana, Metodista e Anglicana.

3 – Tentam deslegitimar os movimentos contra Feliciano dizendo que seria mais importante lutar contra Renan e os mensaleiros. Ora, em quem os senadores fundamentalistas votaram para ocupar a presidência do Senado? E, entre os mensaleiros, não estava um dos parlamentares fundamentalistas, Bispo Rodrigues? Portanto, não há sentido em se relativizar uma luta fundamental, ainda mais quando isso é proposto por alguém que não constrói luta cidadã alguma…

Temos muito a “agradecer” a Marco Feliciano por provocar o surgimento de um movimento amplo e plural em defesa do Estado Laico. A sociedade Brasileira parece ter percebido finalmente o risco do Fundamentalismo Religioso.

A disputa em curso é muito maior do que a de quem irá presidir uma Comissão do Congresso.

A luta para derrubar Marco Feliciano é a materialização do confronto entre as posições em defesa  do Estado Laico e o Fundamentalismo Religioso. O que está em jogo é a opinião da sociedade sobre as liberdades individuais e religiosas, sobre a laicidade do Estado e sobre o perigo fascista do fundamentalismo religioso.

Para derrotar o fundamentalismo, não podemos subestimar seu poder. Seus quadros políticos são preparados e exibem grande capacidade de oratória e convencimento. Mas também seria um erro superestimar sua força. Entendê-los como todo-poderosos que não podem ser derrotados, criaria um sentimento paralisante na sociedade, que pouco contribuiria para o enfrentamento.

Então é importante conhecer, entre outros, os seguintes pontos de fragilidade dos fundamentalistas.

1 – O debate sobre a imensa fortuna dos pastores (inclusive registrada pela revista “Forbes”) os deixa muito fragilizados:  não há “teologia da prosperidade” que explique que essa prosperidade só chegue para pastores, enquanto seus rebanhos seguem massacrados pelo capitalismo selvagem.

2 – Não é tão fácil quanto eles dizem mobilizar sua base social para uma disputa política aberta. Todas as vezes em que eles mobilizaram multidões foi em torno de temas religiosos mais gerais – as marchas são “para Jesus”, a rejeição ao PLC 122 entra como um tema “acessório”. Seu rebanho é composto de um público domesticado pelos poderes constituídos. Quem já o viu presente em um embate no Congresso sente dó daquelas pessoas que ficam acuadas por não entenderem plenamente o que está acontecendo. É verdade que, em tese, os fundamentalistas podem arrastar multidões para o embate público, mas seria uma manobra arriscada tirar essa gente dos currais do fundamentalismo e jogá-la no lugar do contraditório. Eles sabem que os argumentos deles só funcionam sem um contraponto de qualidade.

3 – Felizmente, eles ainda não têm um projeto de poder comum. Cada um tem seu próprio projeto de poder, e os projetos, muitas vezes, se chocam. Feliciano e outros estão jogando para nichos extremistas, ao passo que parlamentares fundamentalistas como Marcelo Crivela sonham em ocupar um cargo majoritário e, para isso, precisam ser mais “amplos”. Um acirramento de conflito, no patamar realizado por Feliciano, é ruim para os planos deles. E, mesmo dentro do mundo religioso, os fundamentalistas disputam territórios de forma bem pouco “elegante”: se hoje Malafaia e Feliciano se unem por senso de sobrevivência, até pouco tempo se matavam pelo controle da Assembleia de Deus.

Embora os fundamentalistas não compartilhem um projeto de poder, eles agem segundo uma lógica política comum, o que dá lastro a uma articulação importante dentro do parlamento e à aliança recente para defender Feliciano. O perigo é que eles tenham tanto poder daqui a alguns anos, que comecem a aventar um projeto de poder comum.

4 – Os fundamentalistas dependem dos evangélicos conservadores não sectários para terem legitimidade  ao falar em nome do “povo evangélico”. No entanto, as lideranças conservadoras não confiam nos propósitos dos mercadores da fé, que, por isso, não podem ir longe demais nos embates, sob o risco de ficarem isolados no próprio mundo evangélico.

5 – Dentro do movimento evangélico, há setores progressistas e inclusivos, hoje muito isolados, e que precisam ser mais visualizados para demonstrar à sociedade que existe sim evangélicos que não são intolerantes.

É pensar essas contradições que dá caminhos mais firmes para o movimento pelo Estado Laico e contra Feliciano.

Dificilmente Feliciano sairá da presidência da Comissão. A não ser que se torne insuportável a pressão institucional crescente:  de seu partido; da Presidência da Câmara, que já se posicionou pela inviabilidade de Marco Feliciano continuar à frente da CDH; da Comissão de Ética, que, diante de uma representação do Psol, julgará o uso do mandato para fins privados.

Feliciano sabe muito bem que, a cada dia que ficar à frente da Comissão, ele ganhará mais votos de um eleitorado extremista.

Ainda que não seja fácil derrubar Feliciano, é fundamental que o movimento siga combativo:  que, a cada dia, os jovens tomem os corredores do Congresso e digam: “Feliciano não nos representa”, que, a cada dia que a CDH se reunir a portas fechadas por incapacidade de sua atual direção de dialogar com os movimentos sociais, a cada dia que uma audiência  se inviabilizar porque os convidados se negam a estar num espaço liderado por um fundamentalista, crescerá, na sociedade, a consciência do perigo do fundamentalismo religioso.

A cada dia que Feliciano fica à frente da Comissão,  cresce a Frente pelo Estado Laico , que já envolve artistas, lideranças religiosas, movimentos sociais, parlamentares e milhares de ativistas nas ruas e nas redes.

Por isso sigamos insistentes e persistentes ….o tempo que for necessário!

E sejamos “justos”: “Obrigado, Feliciano, pelo nosso fortalecimento para combater o fundamentalismo. Nunca estivemos tão fortes e unidos. Obrigado.

instagram-feliciano

* Eduardo d´Albergaria (Duda) é Cientista Social, Especialista em Políticas Públicas (MPOG) e militante da Cia Revolucionária Triângulo Rosa.

II Vígilia pelo Estado Laico e Direitos Humanos 01/04

Venha para a nossa vigília! Traga velas, cartazes e mensagens de paz e esperança. O Estado Laico merece a nossa mobilização! Mais detalhes no flyer:

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Flyer por Letícia Fialho.

Retrospectiva da jornada de lutas pelos Direitos Humanos no Congresso Nacional

Texto de Jul Pagul com contribuição da Srta. Bia. Originalmente publicado no Blogueiras Feministas

A notícia veio no final de fevereiro: a bancada evangélica ia ficar com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados e o pastor Marco Feliciano (PSC-SP) seria indicado para assumir a presidência.

A eleição de Marco Feliciano tem sido contestada por causa das declarações racistas e homofóbicas dadas em relação a negros e homossexuais. Ele é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), que apura se ele cometeu discriminação por orientação sexual, e de ação penal, por estelionato. Fora isso, os projetos do deputado violam o Estado laico, pois procuram privilegiar o seu grupo religioso em detrimento de outros, além de perseguir outras religiões e procurar impor os preceitos de sua religião a todas as pessoas.

[+] Estado laico para garantir Direito Humanos.

Um acordo de lideranças fechado estabeleceu que a presidência da comissão ficará com o PSC. O PT, que tradicionalmente comanda esse colegiado, escolheu outras comissões. E, vale lembrar que o PSC faz parte da base de apoio do governo Dilma Rousseff.

A divisão das 21 comissões permanentes da Câmara é feita proporcionalmente ao tamanho das bancadas dos partidos. No rateio, PT e PMDB comandarão três comissões, cada um, em 2013. PSDB, PSD, PP e PR ficam com dois colegiados cada, enquanto PDT, PSC, PTB, PV/PPS (bloco), DEM, PSB e PCdoB presidirão uma comissão. A ordem de escolha também segue o critério das maiores bancadas. Partidos pequenos como o PSOL e outros não têm direito a presidir comissões permanentes.

[+] O que significa o PSC na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.

A omissão dos Direitos Humanos explícita neste mês de março, trouxe a convergência, coerência e atuação conjunta dos Movimentos Sociais que lutam pela efetiva democracia neste país. Para registrar, difundir e fomentar a participação popular nas políticas públicas do Brasil fizemos uma retrospectiva da mobilização que ocorreu em Brasília. Sabemos que a palavra escrita é bastante limitada para descrever estes dias de sonhos, luta, liberdade e afeto sem precedentes neste novo milênio da capital federal.

 

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Retrospectiva da jornada de lutas pelos Direitos Humanos no Congresso

06.03.2013 – QUARTA – Primeiro dia de luta conjunta. Centenas de manifestantes dos movimentos sociais ligados aos direitos humanos participam da sessão que elegeria a presidência e novos parlamentares da Comissão de Direitos Humanos da Câmara . A sessão é suspensa. Nos corredores tocamos berimbaus. Dentro e fora do plenário ressoa o grito: “o povo unido jamais será vencido”. A dep. Luiza Erundina (PSB-SP) entre outr=s parlamentares canta junto com o povo em luta. Durante a saída do dep. Marco Feliciano (PSC-SP) seguranças empurram e agridem manifestantes. À noite, o presidente da Câmara – dep. Henrique Eduardo Alvares (PMDB-RN) convoca uma nova sessão às 9 da manhã do dia seguinte. Vaza a informação de que ele teria destituído o então presidente da CDHM – dep. Domingos Dutra (PT-MA). A nova sessão é fechada ao público e à imprensa

07.03.2013 – QUINTA – Domingos Dutra (PT-MA) renuncia à presidência da CDHM. Dep. Erika Kokay (PT-DF) é impedida de se pronunciar. Dep. Jair Bolsonaro (PP-RJ) afirma que “acabou a festa gay”. E mesmo muito cansad=s manifestantes comparecem à sessão. Jair Bolsonaro se dirige aos manifestantes e afirma “volta pro zoológico, viadada, bando de viado”. Jair Bolsonaro é suplente na CDHM.

08.03.2013 – SEXTA – Abertura da Virada Feminista no DF. Manifestantes feministas, Negr=s, LGBTs, entre outros reivindicam o Estado laico na rodoviária do plano piloto. Muitas linguagens criativas são utilizadas durante o ato. Na ocasião, os fundamentalismos religiosos foram combatidos, o racismo e a lesbofobia também.

09.03.2013 – SÁBADO – Manifestantes fazem oficina de cartazes e uma passeata de protesto na Esplanada dos Ministérios.

12.03.2013 – TERÇA – Manifestantes são impedidos de entrar no Congresso. O dep. Jean Willys intervém a favor dos manifestantes. A entrada é permitida e ocorre um poderoso ato com centenas de cartazes contra a Omissão dos Direitos Humanos e a favor do Estado Laico. A manifestação se estende até as ruas da esplanada dos Ministérios. A bandeira do arco-iris, símbolo da luta pela garantia da liberdade e diversidade sexuais, foi hasteada no palácio do Itamaraty.

13.03.2013 – QUARTA – Primeira reunião da Comissão de Direitos Humanos. O grupo Anonymous derruba o site oficial de Marco Feliciano. Deputadas e deputados que tem atuação coerente com a pauta dos Direitos Humanos entram em confronto com Marco Feliciano e Jair Bolsonaro. Dep. Erika Kokay novamente é impedida de falar. Mais uma vez manifestantes tomam o corredor e o plenário. Jair Bolsonaro insulta manifestantes com cartaz “queima rosca todo dia”.

16.02.2013 – SÁBADO – Ato contra atual situação na Comissão de Direitos Humanos. Marcha da rodoviária do Plano Piloto até o Congresso.

17.03.2013 – DOMINGO – Ato criativo-artístico toma o centro da capital. Poesia, música, intervenções a favor do estado laico e dos direitos humanos.

20.03.2013 – TERÇA – Lançamento da Frente Parlamentar de Direitos Humanos e Defesa da Dignidade Humana. Auditório Nereu Ramos ficou lotado. E foi muito emocionante a grande união de tantos movimentos e o reconhecimento das lutas. Emocionante também os discursos de parlamentares. Merecem destaque os deputd=s que não estavam sensíveis às mobilizações que compareceram a solenidade. Durante a tarde, ocorreu mais uma reunião da CDHM. Na ocasião, apenas alguns manifestantes conseguiram entrar. Muit=s ficaram de fora mesmo com espaço no plenário. Na pauta uma audiência sobre transtornos mentais com o representante do Ministério da Saúde, Aldo Zaiden. O presidente da comissão Pastor Marco Feliciano sai da reunião antes dos 10 minutos iniciais. Após ser coagido pelo dep. Bolsonaro, Aldo Zaiden se retira da sessão:

 

“— Os direitos humanos vivem um retrocesso — disse Zaiden, que foi interrompido pela confusão.

Quando a palavra iria voltar para ele, foi ameaçado por Jair Bolsonaro (PP-RJ).

— O senhor se restrinja ao tema da audiência pública. Não faça discurso — disse Bolsonaro ao assessor, que se rebelou.

— Fui proibido de falar pelo deputado Bolsonaro. Não tenho o que fazer aqui — disse Zaiden, que levantou-se e foi embora, aplaudido pelos manifestantes contrários a Feliciano. A sessão foi encerrada.”

 

Na sequência manifestantes são agredid=s e coagid=s pela Polícia Legislativa.

21.03.2013 – QUINTA – Twitaço #forafeliciano e ato durante a comemoração de 10 anos da SEPPIR. Várias manifestações e petições online são realizadas em todo país contra a omissão dos Direitos Humanos.

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Merece Registro

1. O site da CDHM: as informações da página da CDHM estão instáveis. O site chegou a ficar fora do ar, a pauta tem variado e não é postada com antecedência como ocorre nas demais comissões. Inclusive, a divulgação do presidente e seu currículo. É necessário controle social contínuo.

2. Mandado de segurança contra a eleição de Marco Feliciano para presidência da CDHM: um grupo, formado pelos deputad=s Jean Willys, Érica Kokay, Luiza Erundina, Nilmário Miranda, Domingos Dutra, Mariton Benedito de Holanda (Padre Ton), Janete Capiberibe e Janete Rocha Pietá, entraram com o pedido que foi distribuido ao Ministro Luiz Fux. A reivindicação é que a sessão que elegeu Marco Feliciano “não teve caráter público”.

Email do Min. Luiz Fux para que você expresse sua opinião sobre a decisão ideal neste caso: gabineteluizfux@stf.jus.br

3. PT entregou a CDMH para o PMDB que entregou ao PSC: Direitos Humanos não são negociáveis. A gestão da Comissão de Direitos Humanos e Minorias foi concedida ao PMDB pelo PT, que preferiu outra Comissão. Este cedeu para o PSC todas as suas vagas. Inclusive as do Pastor Feliciano e da vice-presidência. Precisamos contextualizar que o líder do PMDB na Câmara é Eduardo Cunha (PMDB-RJ), integrante da bancada religiosa e autor do Projeto de Lei que prevê criminalização do que ele batizou de “heterofobia”.

4. Nenhuma declaração da Presidência da República: a pauta dos Direitos Humanos é a pauta da própria democracia em si. Não somos minoria, somos minorizad=s. Discordamos que a bancada religiosa possa legislar em desrespeito explícito a laicidade do Estado. E que isto seja considerado “democracia”. Apenas no dia 21 de março surgiu a primeira declaração pública da Ministra Maria do Rosário da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. No qual a Ministra afirma que a sociedade “indica”que não é justo o que está ocorrendo. Nem mesmo o criminoso vídeo recentemente lançado pelo Pastor faz com que Dilma se posicione.

 

“Como a sra. avalia o que está ocorrendo na Comissão dos Direitos Humanos?

No governo, somos muito zelosos de não atuar de forma que desrespeite a autonomia entre os poderes, assegurada pela democracia e o que é básico. Todos sabem disso e não temos uma atitude de contraponto gratuito a decisões do parlamento. Mas nos direitos humanos, o Parlamento tem sido um parceiro da agenda brasileira. Em vários temas, como na Comissão da Verdade, na PEC do trabalho escravo (que expropria terras onde é flagrado esse tipo de mão de obra). Temos uma agenda de direitos humanos na Câmara muito forte. E que precisa avançar. E os rumos que a Comissão de Direitos Humanos tomou no atual período podem comprometer essa agenda.

O que pode ser feito?

Temos que trabalhar para que não existam problemas e aconteça um comprometimento negativo. Temos projetos de lei a ser votado e o Brasil precisa da comissão, dessa parceria. Sempre contamos com a comissão na defesa dos direitos humanos, foi construída com esse objetivo. A história dos direitos humanos no Brasil é uma história de pacificação da sociedade. E essa sociedade está indicando, de forma lúcida, que não é justo o que está ocorrendo. A comissão é o instrumento que ela tem para contar dentro da Câmara dos Deputados. É a defesa dos segmentos que sofrem preconceito, que são os mais vulneráveis. E a comissão não pode estar dissociada dessa pauta.”

 

5. Muitas agressões e cerceamento e abuso de poder por parte da Polícia Legislativa: Durante esta jornada de lutas muitas pessoas foram agredidas pela Polícia Legislativa. Uma truculência desnecessária. A Câmara dos Deputados é a Casa do Povo. Portanto, temos o direito de ir e vir, de ouvir as audiências, de entrarmos no plenário da Comissão, de nos expressarmos. Cabe a Polícia Legislativa prezar por nossa segurança. Infelizmente, o que ocorre é o avesso. Somos insultad=s, empurrad=s, cercead=s e agredid=s em todas as sessões. Inclusive, mulheres e crianças, o que revela a covardia da atuação policial no legislativo.

6. Frente Parlamentar pelos Direitos Humanos e defesa da dignidade humana: O lançamento da Frente foi realmente um dos episódios mais enriquecedores da democracia no Parlamento. A presença dos mais diversos movimentos sociais intensificou o que pleiteamos nas ruas. Nossos corpos, afetos, fé e cidadania não são mercantilizáveis. E vamos avançar em nossas lutas, apesar do retrocesso no Congresso.

Para melhor articular sua atuação, a Frente foi dividida em campos temáticos. São eles: democratização da terra, que será coordenado pelo deputado Domingos Dutra (PT/MA); criança e adolescente, deputada Érika Kokay (PT/DF); gênero, deputada Janete Pietá (PT/SP); verdade e direito à informação, deputada Luiza Erundina (PSB/SP); violência e grupos de extermínio, deputado Luiz Couto (PT/PB); étnica racial, deputados Luiz Alberto (PT/BA) e Padre Ton (PT/RO); combate à tortura e sistema carcerário, deputado Nilmário Miranda (PT/MG); idosos e pessoas com deficiência, deputado Vitor Paulo (PRB/RJ); juventude, deputada Alice Portugal (PCdoB/BA); liberdade, crença e não crença, deputado Chico Alencar (PSOL/RJ); e LGBT e outras expressões de gênero, deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ).

7. 150 líderes evangélicos pedem a saída de Feliciano e a CNBB também: Uma carta assinada por mais de 150 lideranças evangélicas pede a substituição do deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) na presidência da CDHM por um parlamentar mais “familiarizado” com o tema. O documento, divulgado pela Rede Fale, cobra dos deputados evangélicos que integram a comissão que definam um novo nome para comandar o colegiado e evitem o discurso de perseguição religiosa, utilizado pelo deputado para se defender das críticas à sua eleição.

O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), que integra as igrejas Católica Apostólica Romana, Episcopal Anglicana do Brasil, Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Sirian Ortodoxa de Antioquia e Presbiteriana Unida, também divulgou nota de repúdio à eleição de Feliciano. A CBJP (Comissão Brasileira Justiça e Paz), organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), manifestou por meio de uma nota oficial “sua solidariedade” às mobilizações sociais contrárias à permanência do deputado Marco Feliciano.

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