Entries Tagged 'Marco Feliciano' ↓

Querido Henrique Eduardo Alves

evangelicos3

Sr. Henrique Eduardo Alves, não tenho mais Bíblia em casa, será que terei que comprar uma para conseguir entrar na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, ou adquirir uma saia à altura dos joelhos basta? Cortei meus cabelos recentemente e tenho o desenho de um ser satânico – um elfo – tatuado no braço. Se eu pedir o perdão divino o pastor aceita a minha entrada na Comissão, ou terei que tirar minha tatuagem à laser? Sei que na Câmara Federal Marco Feliciano atua como deputado, mas a CDHM virou um culto evangélico e eu, como pessoa perdida aos olhos do Senhor, não sou bem vinda lá. Na última quarta-feira, 24/04, nem mesmo na Casa consegui entrar. Fiquei do lado de fora, jogada na calçada, disputando o pouco espaço à sombra que havia disponível com outros ativistas, e só entramos quando o deputado Domingos Dutra apareceu e nos resgatou – meus agradecimentos ETERNOS à ele!

Lá dentro encontrei os únicos militantes que conseguiram alcançar os sagrados corredores, antes das portarias se fecharem ao público – leia-se: às pessoas perdidas, com cara de “viado”, “sapatão” e “esquerdista” – e presidente, eles estavam feridos moralmente e fisicamente. Uma companheira foi ameaçada de agressão por um assessor que ela não conseguiu identificar, pois foi retirada antes de ter a oportunidade de reagir. O outro foi chamado de “viado” e convidado à “sair pra porrada” por um segurança.

Enquanto pessoas amontoavam-se do lado de fora e outras eram violentadas do lado de dentro, a CDHM recebia os evangélicos de braços abertos. Feliciano deu ordens para a polícia da Casa deixar as pessoas entrarem de acordo com os seus perfis. Uma medida, no mínimo, arbitrária. O único indivíduo contrário a Feliciano que conseguiu entrada na Comissão teve a boca fechada e foi retirado aos empurrões por se manifestar. O único espaço que tem se mostrado receptivo a nós é a Frente Parlamentar de Direitos Humanos, o único ponto de lucidez presente nesse Parlamento, tão omisso às necessidades do povo e tão fragilizado pelas suas bancadas baseadas em interesses pessoais e acordos políticos.

É por isso, Sr. presidente, que escrevo, que grito, que luto, que me revolto, que me arrisco e que me exponho. Porque não é só a cidadania que está ferida, é a laicidade do Estado que foi espancada, a partir do momento em que as portas se fecharam ao resto das pessoas e se abriram à uma pequena fração de evangélicos fundamentalistas. Perde a democracia, o Parlamento e a população brasileira, em favorecimento às vontades de um pastor/deputado que se julga maior que o próprio povo que diz representar.

Atenciosamente,

Ana Vitória.

Mulher, humana, brasileira.

Obrigado, Feliciano!

Por Eduardo d´Albergaria*. Texto originalmente publicado no site da Cia Revolucionária Triângulo Rosa

 

Há pelo menos 3 décadas, o fundamentalismo religioso vem ganhando espaço no Brasil de forma intensa e silenciosa. Conquistando lugares no parlamento, em cargos executivos, canais de televisão, os fundamentalistas transformaram suas empresas em verdadeiros impérios.

Atuam, sobretudo, nas periferias urbanas, praticamente abandonadas pela Igreja Católica, que até então promovia, nestas áreas, a Teologia da Libertação – isolada e perseguida pela Cúria Romana, que discordava de sua “opção pelos pobres” e pelo seu engajamento nas lutas por direitos.

Os fundamentalistas encontraram terreno fértil para sua pregação: legiões de “sobrantes”, acossados pelo desemprego, pela invisibilidade, pelo terror da violência urbana e policial, ávidos por discursos messiânicos e salvacionistas. No meio da barbárie  e na ausência de projetos coletivos, só mesmo a fé se mostra como caminho de saída do desespero.

Durante a ascensão do fundamentalismo religioso, uma marca sempre esteve presente nos discursos e pregações: a escolha de um inimigo a ser combatido. A velha estratégia de se criar um inimigo fora do grupo, para dar sentido a sua própria existência: uma “batalha espiritual” que divide o mundo entre o bem e o mal.

As primeiras vítimas dos discursos de ódio do fundamentalismo religioso foram as religiões de matriz africana, depreciadas como “rituais macabros”, “manifestações demoníacas”. O(A)s seguidore(a)s do Candomblé e da Umbanda não contaram com a solidariedade da sociedade brasileira. Sozinho(a)s tiveram poucas condições para resistir ao verdadeiro linchamento público a que foram submetido(a)s. Desorganizad@s politicamente, minoritári@s na sociedade e subalternizad@s por um preconceito que, de tão avassalador , sequer se reconhece sua existência: o racismo.

Essa fragilidade das religiões afro tem origem histórica.  Vítimas de uma abolição tutelada, os praticantes do candomblé e da umbanda tiveram, durante muito tempo, sua religiosidade considerada crime e só conseguiam manter abertos seus terreiros caso se  submetessem à proteção de um coronel que trocasse liberdade religiosa por votos.

Curiosamente, os mesmos fundamentalistas que os atacavam (e atacam) incorporam rituais em suas liturgias nos mesmos padrões das religiões de matriz africana. O que levou Vagner Gonçalves da Silva, professor de antropologia da USP, a afirmar: ”Combatem-se essas religiões [afro] para monopolizar seus principais bens no mercado religioso, as mediações mágicas e a experiência do transe religioso, transformando-os em valor interno do sistema neopentecostal.”

Nos últimos anos, os fundamentalistas religiosos resolveram intensificar sua campanha contra outro “inimigo” : os sexodivers@s – gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e todas as pessoas que vivem relações não procriativas (assim, também são rechaçados, em menor intensidade, os heterossexuais que realizam sexo anal e, em alguns casos, até o oral).

Utilizando-se de uma leitura biblica datada, os fundamentalistas controem um moralismo seletivo – não incorporam todas as proibições bíblicas: como, por exemplo, a de cortar o cabelo e a de comer frutos do mar …

Não à toa, os fundamentalistas escolheram este momento para intensificar seus ataques à comunidade sexodiversa: a governabilidade conservadora dos governos Lula/Dilma – que unificou, na mesma base de apoio, parlamentares “progressistas” e parlamentares fundamentalistas – fez com que muitos dos tradicionais aliados da diversidade sexual – parlamentares do PT, PC do B, PSB – se omitissem na disputa contra o fundamentalismo religioso, agora seu aliado na sustentação de governo. Resultado: deputados-pastores transformaram o plenário do Congresso e programas de TV em púlpitos de sua pregação de ódio e encontraram abandonado o cenário de disputa de valores. Some-se a isso que a resistência não tem vindo de fora do parlamento: o movimento LGBT hegemônico é hoje composto por ONGs que se encontram totalmente tragadas pela dependência ao Estado e reféns do Governismo.

Enquanto isso, a comunidade sexodiversa está totalmente domesticada pelo mercado Pink. A maior vitória do neoliberalismo sobre a comunidade sexodiversa foi consolidar a ideia de que “chique é consumir”, que se engajar numa causa social e refletir sobre o mundo são coisas “cafonas” ou “pagar mico”.

Na esteira do medo e da culpa, os fundamentalistas tentam abrir um novo e lucrativo mercado: o da cura pela “Psicologia Cristã”. Como as normas do Conselho Nacional de Psicologia não reconhecem esta “reorientação de desejo”, os fundamentalistas tentam agora, por meio de sua bancada no Congresso Nacional, fazer uma intervenção no Conselho de Psicologia para mudar as normas da profissão.       Nessa sucessão de “batalhas espirituais”, os fundamentalistas também miraram os povos indígenas. Ressuscitando a velha retórica “missionária” de um povo a ser salvo pela “palavra cristã”, construíram relações bastante complicadas com os povos indígenas. Chegaram até mesmo a propor, no Congresso Nacional, um projeto que estabelece a visão de que os povos indígenas são infanticidas (até postaram no youtube um filme falsamente documental). Não por acaso, simultaneamente, abriram um vasto mercado de captação de recursos financeiros explorando adoções de crianças indígenas e o desconhecimento por estrangeiros da  realidade dos nossos mais de 220 povos nativos.

Também os usuários de substâncias psicoativas  foram alvo do proselitismo dos fundamentalistas. Na esteira da falência da “guerra às drogas” e na ausência de uma política de educação e saúde mental que construa a autonomia dos sujeitos frente a estas substâncias, os fundamentalistas multiplicaram outro mercado lucrativo: o da cura pela conversão. Em todo o país, “comunidades terapêuticas” recebem recursos públicos para sustentarem seu proselitismo religioso junto aos dependentes químicos.

Mas por que os fundamentalistas escolheram as religiões afro, @s sexodivers@s e os povos indígenas como seus inimigos? Por que não escolheram a religião católica, ainda majoritária no país e com a qual eles disputam espaço?

Uma marca dos fundamentalistas é a covardia: eles só enfrentam inimigos muito mais frágeis que eles. Do total da população brasileira, 1,5% é de seguidores das religiões afro, 5 a 10%  se declaram homossexuais de %, e menos de 900 mil brasileir@s se declaram indígenas. Além de minoritários, esses grupos, têm sido historicamente estigmatizados e inferiorizados.

Certamente, tão cedo, não veremos uma Santa ser chutada novamente por um pastor fundamentalista, mas terreiros seguem sendo violados Brasil a fora sem que isso cause grandes comoções.

O caminho da ascensão fundamentalista vem sendo trilhado sem qualquer resistência: exploração da fé de um povo dilacerado; constituição de um moderno curral eleitoral – transformando Cristo em Cabo Eleitoral –; influência crescente no Parlamento e nos executivos; poder crescente no oligopólio brasileiro de informação; comunidades terapêuticas, empresas de shows, editoras, isenção de impostos…

Uma trajetória que dilacera, aos poucos, nosso nunca integralmente conquistado Estado Laico: leis que, de forma crescente, estabelecem os valores dos fundamentalistas como obrigatórios para o restante da sociedade, proselitismo religioso nas escolas públicas, transferência de dinheiro público para subsidiar comunidades terapêuticas, dinheiro público para marchas para “Jesus”, dinheiro público para parques gospel…

Até que os fundamentalistas resolveram dar um passo “maior que suas pernas”: ter seu quadro político mais extremista como presidente da Comissão de Direitos Humanos.       Marco Feliciano é uma caricatura pesada demais para a sociedade brasileira. Além dos “tradicionais” ataques aos sexodivers@s, candomblecistas, umbandistas – que ele chegou até a pregar pelos “sepultamentos” –, o deputado-pastor vai além: ataca todos(as) os(as) negros(as) – classificando-os(as) como “amaldiçoados(as)” e resgatando teologia de tempos de apartheid – e as mulheres. que, e segundo ele, deveriam ser subalternizadas pelos homens.

O sectarismo de Feliciano alcança até mesmo os seguidores do catolicismo, que ele chamou de “religião morta e fajuta” e responsabilizou os católicos carismáticos pelo “avivamentos de satanás”. O deputado-pastor ainda vai mais longe:  na mercantilização da fé, promete milagres em troca de senhas de cartões de crédito e vende carnê da casa própria em plena sessão de transe espiritual. Faz uso de seu mandato público para fins privados: contrata pastores, produtores de vídeo e advogados para suas empresas. Demonstra total incapacidade para lidar com o debate democrático, já que, segundo ele, seus adversários seriam Satanás.

Feliciano é uma figura tão indefensável que seus pares (incluída a revista Veja), para protegê-lo, precisam construir as seguintes estratégias tangenciais, entre outras.

1 – Trasformam o debate em uma briga pessoal entre Jean Wyllys e Feliciano. Tod@s @s deputad@s historicamente comprometidos com os Direitos Humanos são contrários a que um homofóbico racista esteja à frente da Comissão de Direitos Humanos. Por que só personificar em Jean Wyllys? Novamente, a costumeira covardia dos fundamentalistas: eles sabem que ainda há muita rejeição na sociedade ao fato de um homossexual ocupar um cargo público.

2 – Afirmam que é uma perseguição aos cristãos. Não é verdade: é crescente o número de cristãos que dizem não a Marco Feliciano. Mais de 150 pastores e lideranças evangélicas assinaram um manifesto em que solicitam a substituição da presidência da Comissão de Direitos Humanos. Esse pedido também foi feito pela Comissão Justiça e Paz da Cnbb e pelo Conselho de Igrejas Cristãs – que congrega a Igreja Católica, Luterana, Presbiteriana, Metodista e Anglicana.

3 – Tentam deslegitimar os movimentos contra Feliciano dizendo que seria mais importante lutar contra Renan e os mensaleiros. Ora, em quem os senadores fundamentalistas votaram para ocupar a presidência do Senado? E, entre os mensaleiros, não estava um dos parlamentares fundamentalistas, Bispo Rodrigues? Portanto, não há sentido em se relativizar uma luta fundamental, ainda mais quando isso é proposto por alguém que não constrói luta cidadã alguma…

Temos muito a “agradecer” a Marco Feliciano por provocar o surgimento de um movimento amplo e plural em defesa do Estado Laico. A sociedade Brasileira parece ter percebido finalmente o risco do Fundamentalismo Religioso.

A disputa em curso é muito maior do que a de quem irá presidir uma Comissão do Congresso.

A luta para derrubar Marco Feliciano é a materialização do confronto entre as posições em defesa  do Estado Laico e o Fundamentalismo Religioso. O que está em jogo é a opinião da sociedade sobre as liberdades individuais e religiosas, sobre a laicidade do Estado e sobre o perigo fascista do fundamentalismo religioso.

Para derrotar o fundamentalismo, não podemos subestimar seu poder. Seus quadros políticos são preparados e exibem grande capacidade de oratória e convencimento. Mas também seria um erro superestimar sua força. Entendê-los como todo-poderosos que não podem ser derrotados, criaria um sentimento paralisante na sociedade, que pouco contribuiria para o enfrentamento.

Então é importante conhecer, entre outros, os seguintes pontos de fragilidade dos fundamentalistas.

1 – O debate sobre a imensa fortuna dos pastores (inclusive registrada pela revista “Forbes”) os deixa muito fragilizados:  não há “teologia da prosperidade” que explique que essa prosperidade só chegue para pastores, enquanto seus rebanhos seguem massacrados pelo capitalismo selvagem.

2 – Não é tão fácil quanto eles dizem mobilizar sua base social para uma disputa política aberta. Todas as vezes em que eles mobilizaram multidões foi em torno de temas religiosos mais gerais – as marchas são “para Jesus”, a rejeição ao PLC 122 entra como um tema “acessório”. Seu rebanho é composto de um público domesticado pelos poderes constituídos. Quem já o viu presente em um embate no Congresso sente dó daquelas pessoas que ficam acuadas por não entenderem plenamente o que está acontecendo. É verdade que, em tese, os fundamentalistas podem arrastar multidões para o embate público, mas seria uma manobra arriscada tirar essa gente dos currais do fundamentalismo e jogá-la no lugar do contraditório. Eles sabem que os argumentos deles só funcionam sem um contraponto de qualidade.

3 – Felizmente, eles ainda não têm um projeto de poder comum. Cada um tem seu próprio projeto de poder, e os projetos, muitas vezes, se chocam. Feliciano e outros estão jogando para nichos extremistas, ao passo que parlamentares fundamentalistas como Marcelo Crivela sonham em ocupar um cargo majoritário e, para isso, precisam ser mais “amplos”. Um acirramento de conflito, no patamar realizado por Feliciano, é ruim para os planos deles. E, mesmo dentro do mundo religioso, os fundamentalistas disputam territórios de forma bem pouco “elegante”: se hoje Malafaia e Feliciano se unem por senso de sobrevivência, até pouco tempo se matavam pelo controle da Assembleia de Deus.

Embora os fundamentalistas não compartilhem um projeto de poder, eles agem segundo uma lógica política comum, o que dá lastro a uma articulação importante dentro do parlamento e à aliança recente para defender Feliciano. O perigo é que eles tenham tanto poder daqui a alguns anos, que comecem a aventar um projeto de poder comum.

4 – Os fundamentalistas dependem dos evangélicos conservadores não sectários para terem legitimidade  ao falar em nome do “povo evangélico”. No entanto, as lideranças conservadoras não confiam nos propósitos dos mercadores da fé, que, por isso, não podem ir longe demais nos embates, sob o risco de ficarem isolados no próprio mundo evangélico.

5 – Dentro do movimento evangélico, há setores progressistas e inclusivos, hoje muito isolados, e que precisam ser mais visualizados para demonstrar à sociedade que existe sim evangélicos que não são intolerantes.

É pensar essas contradições que dá caminhos mais firmes para o movimento pelo Estado Laico e contra Feliciano.

Dificilmente Feliciano sairá da presidência da Comissão. A não ser que se torne insuportável a pressão institucional crescente:  de seu partido; da Presidência da Câmara, que já se posicionou pela inviabilidade de Marco Feliciano continuar à frente da CDH; da Comissão de Ética, que, diante de uma representação do Psol, julgará o uso do mandato para fins privados.

Feliciano sabe muito bem que, a cada dia que ficar à frente da Comissão, ele ganhará mais votos de um eleitorado extremista.

Ainda que não seja fácil derrubar Feliciano, é fundamental que o movimento siga combativo:  que, a cada dia, os jovens tomem os corredores do Congresso e digam: “Feliciano não nos representa”, que, a cada dia que a CDH se reunir a portas fechadas por incapacidade de sua atual direção de dialogar com os movimentos sociais, a cada dia que uma audiência  se inviabilizar porque os convidados se negam a estar num espaço liderado por um fundamentalista, crescerá, na sociedade, a consciência do perigo do fundamentalismo religioso.

A cada dia que Feliciano fica à frente da Comissão,  cresce a Frente pelo Estado Laico , que já envolve artistas, lideranças religiosas, movimentos sociais, parlamentares e milhares de ativistas nas ruas e nas redes.

Por isso sigamos insistentes e persistentes ….o tempo que for necessário!

E sejamos “justos”: “Obrigado, Feliciano, pelo nosso fortalecimento para combater o fundamentalismo. Nunca estivemos tão fortes e unidos. Obrigado.

instagram-feliciano

* Eduardo d´Albergaria (Duda) é Cientista Social, Especialista em Políticas Públicas (MPOG) e militante da Cia Revolucionária Triângulo Rosa.

Ato em defesa do Estado laico!

Dia 8 de abril, segunda-feira, às 10 horas, haverá uma sessão solene na Câmara dos Deputados em homenagem à igreja evangélica Assembleia de Deus. Também estaremos lá em defesa do Estado laico!

Ato pelo Estado Laico

 

 

 

Algumas atualizações

Câmara abre inquérito para apurar agressão a repórter da EBC

Parece que  ontem (03/04) outra jornalista foi agredida. Segundo a repórter da EBC Pollyane Marques, isso aconteceu quando ela se aproximou do Deputado Marco Feliciano  para fazer umas perguntas:

– Perguntei se era democrático fugir da imprensa. Quando perguntei pela segunda vez, senti um empurrão mais forte. Estava muito próxima do deputado Marco Feliciano. Perguntei se era democrático os seguranças baterem na imprensa e, em seguida, senti cotovelada.

Marques alega não ter conseguido identificar o autor das agressões, uma vez que a escolta de Feliciano incluía assessores e seguranças, além do tumulto generalizado no local. Ela ainda afirma que “o joelho sangrando não dói. O que dói mais é atitude. A reposta a minha pergunta se era democrático bater na imprensa foi uma cotovelada na cara. Posso não saber quem foi, mas receber uma cotovelada depois de perguntar isso, tenho a certeza que foi [uma ação] deliberada“.

Reitero a pergunta feita no texto anterior: Liberdade de expressão para quem?

liberdadereligiosa

 

Pressionado pelo presidente da Câmara, Feliciano cancela viagem à Bolívia

Parece que o chefe não está nada contente com os rumos da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Além de não ter aprovado a viagem do deputado à Bolívia, ainda posicionou-se contra a proibição do acesso ao público às sessões. Em entrevista ao blog de Josias de Souza, Henrique Eduardo Alves disse:

– O regimento da Casa prevê que, em situações excepcionais, o presidente de uma comissão pode tornar a reunião fechada. Mas isso é a exceção. Não pode ser a regra. As pessoas erram quando fazem baderna na comissão. Mas não se pode, por conta disso, decidir simplesmente que todas as sessões serão fechadas. Isso foge à tradição do Parlamento. É absurdo. Como é que vamos impedir o acesso do povo ao Parlamento? Como impedir as pessoas de acompanhar os debates nas comissões? Se há um lugar em que o povo tem que ter todo o acesso é o Parlamento. Se o povo não puder entrar na sua casa, vai entrar onde? O tumulto só desqualifica quem o promove. Mas a reação radical da presidência da comissão cria mais problema, não solução.

HENRIQUE2

– Eu que mando aqui, blz?

“Comissão era dominada por Satanás”, afirma Marco Feliciano em culto.

A notícia já é antiga, mas merece entrar na lista. Até a a deputada Antônia Lúcia* do PSC ficou revoltada e ameaçou sair da vice-presidência da CDHM, mas voltou atrás. Também li boatos em um site evangélico (que obviamente não linkarei aqui) de que ela teria afirmado que Feliciano se acha “o dono da Comissão”.

Figura1

#Chatiada

Quanto às afirmações feitas pelo deputado de que a CDHM era presidida por Satanás antes de sua entrada, sua assessoria alegou que ele estava falando como pastor, e não como parlamentar. Depois, em seu twitter, Feliciano disse que Satanás em hebraico quer dizer adversário e que, portanto, ele estava falando de opositores políticos, e não do filho das trevas. Sim deputado, acreditamos que seus fiéis recebem aulas de hebraico desde a conversão.

 twitterfeliciano

Feliciano dando aulas de hebraico. Detalhe para o retweet que fala sobre adoção por casais gays. Se os fundamentalistas verem as estatísticas sobre abusos que ocorrem dentro de famílias heteronormativas, serão contra o casamento entre homem e mulher também? – NOT!

* Quando até uma pessoa que coleciona processos por estelionato, formação de quadrilha e compra de votos decide criticar alguém, é porque a coisa está feia.

 

Adendo:  Amanhã será o interrogatório de Feliciano no STF sobre as acões penais de estelionato, e é claro que estaremos lá. O protesto iniciará às 14:30 em frente ao Supremo. Entre na página do facebook e se informe! Esperamos por vocês!

Retrospectiva da jornada de lutas pelos Direitos Humanos no Congresso Nacional

Texto de Jul Pagul com contribuição da Srta. Bia. Originalmente publicado no Blogueiras Feministas

A notícia veio no final de fevereiro: a bancada evangélica ia ficar com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados e o pastor Marco Feliciano (PSC-SP) seria indicado para assumir a presidência.

A eleição de Marco Feliciano tem sido contestada por causa das declarações racistas e homofóbicas dadas em relação a negros e homossexuais. Ele é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), que apura se ele cometeu discriminação por orientação sexual, e de ação penal, por estelionato. Fora isso, os projetos do deputado violam o Estado laico, pois procuram privilegiar o seu grupo religioso em detrimento de outros, além de perseguir outras religiões e procurar impor os preceitos de sua religião a todas as pessoas.

[+] Estado laico para garantir Direito Humanos.

Um acordo de lideranças fechado estabeleceu que a presidência da comissão ficará com o PSC. O PT, que tradicionalmente comanda esse colegiado, escolheu outras comissões. E, vale lembrar que o PSC faz parte da base de apoio do governo Dilma Rousseff.

A divisão das 21 comissões permanentes da Câmara é feita proporcionalmente ao tamanho das bancadas dos partidos. No rateio, PT e PMDB comandarão três comissões, cada um, em 2013. PSDB, PSD, PP e PR ficam com dois colegiados cada, enquanto PDT, PSC, PTB, PV/PPS (bloco), DEM, PSB e PCdoB presidirão uma comissão. A ordem de escolha também segue o critério das maiores bancadas. Partidos pequenos como o PSOL e outros não têm direito a presidir comissões permanentes.

[+] O que significa o PSC na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.

A omissão dos Direitos Humanos explícita neste mês de março, trouxe a convergência, coerência e atuação conjunta dos Movimentos Sociais que lutam pela efetiva democracia neste país. Para registrar, difundir e fomentar a participação popular nas políticas públicas do Brasil fizemos uma retrospectiva da mobilização que ocorreu em Brasília. Sabemos que a palavra escrita é bastante limitada para descrever estes dias de sonhos, luta, liberdade e afeto sem precedentes neste novo milênio da capital federal.

 

blogueiras1

 

Retrospectiva da jornada de lutas pelos Direitos Humanos no Congresso

06.03.2013 – QUARTA – Primeiro dia de luta conjunta. Centenas de manifestantes dos movimentos sociais ligados aos direitos humanos participam da sessão que elegeria a presidência e novos parlamentares da Comissão de Direitos Humanos da Câmara . A sessão é suspensa. Nos corredores tocamos berimbaus. Dentro e fora do plenário ressoa o grito: “o povo unido jamais será vencido”. A dep. Luiza Erundina (PSB-SP) entre outr=s parlamentares canta junto com o povo em luta. Durante a saída do dep. Marco Feliciano (PSC-SP) seguranças empurram e agridem manifestantes. À noite, o presidente da Câmara – dep. Henrique Eduardo Alvares (PMDB-RN) convoca uma nova sessão às 9 da manhã do dia seguinte. Vaza a informação de que ele teria destituído o então presidente da CDHM – dep. Domingos Dutra (PT-MA). A nova sessão é fechada ao público e à imprensa

07.03.2013 – QUINTA – Domingos Dutra (PT-MA) renuncia à presidência da CDHM. Dep. Erika Kokay (PT-DF) é impedida de se pronunciar. Dep. Jair Bolsonaro (PP-RJ) afirma que “acabou a festa gay”. E mesmo muito cansad=s manifestantes comparecem à sessão. Jair Bolsonaro se dirige aos manifestantes e afirma “volta pro zoológico, viadada, bando de viado”. Jair Bolsonaro é suplente na CDHM.

08.03.2013 – SEXTA – Abertura da Virada Feminista no DF. Manifestantes feministas, Negr=s, LGBTs, entre outros reivindicam o Estado laico na rodoviária do plano piloto. Muitas linguagens criativas são utilizadas durante o ato. Na ocasião, os fundamentalismos religiosos foram combatidos, o racismo e a lesbofobia também.

09.03.2013 – SÁBADO – Manifestantes fazem oficina de cartazes e uma passeata de protesto na Esplanada dos Ministérios.

12.03.2013 – TERÇA – Manifestantes são impedidos de entrar no Congresso. O dep. Jean Willys intervém a favor dos manifestantes. A entrada é permitida e ocorre um poderoso ato com centenas de cartazes contra a Omissão dos Direitos Humanos e a favor do Estado Laico. A manifestação se estende até as ruas da esplanada dos Ministérios. A bandeira do arco-iris, símbolo da luta pela garantia da liberdade e diversidade sexuais, foi hasteada no palácio do Itamaraty.

13.03.2013 – QUARTA – Primeira reunião da Comissão de Direitos Humanos. O grupo Anonymous derruba o site oficial de Marco Feliciano. Deputadas e deputados que tem atuação coerente com a pauta dos Direitos Humanos entram em confronto com Marco Feliciano e Jair Bolsonaro. Dep. Erika Kokay novamente é impedida de falar. Mais uma vez manifestantes tomam o corredor e o plenário. Jair Bolsonaro insulta manifestantes com cartaz “queima rosca todo dia”.

16.02.2013 – SÁBADO – Ato contra atual situação na Comissão de Direitos Humanos. Marcha da rodoviária do Plano Piloto até o Congresso.

17.03.2013 – DOMINGO – Ato criativo-artístico toma o centro da capital. Poesia, música, intervenções a favor do estado laico e dos direitos humanos.

20.03.2013 – TERÇA – Lançamento da Frente Parlamentar de Direitos Humanos e Defesa da Dignidade Humana. Auditório Nereu Ramos ficou lotado. E foi muito emocionante a grande união de tantos movimentos e o reconhecimento das lutas. Emocionante também os discursos de parlamentares. Merecem destaque os deputd=s que não estavam sensíveis às mobilizações que compareceram a solenidade. Durante a tarde, ocorreu mais uma reunião da CDHM. Na ocasião, apenas alguns manifestantes conseguiram entrar. Muit=s ficaram de fora mesmo com espaço no plenário. Na pauta uma audiência sobre transtornos mentais com o representante do Ministério da Saúde, Aldo Zaiden. O presidente da comissão Pastor Marco Feliciano sai da reunião antes dos 10 minutos iniciais. Após ser coagido pelo dep. Bolsonaro, Aldo Zaiden se retira da sessão:

 

“— Os direitos humanos vivem um retrocesso — disse Zaiden, que foi interrompido pela confusão.

Quando a palavra iria voltar para ele, foi ameaçado por Jair Bolsonaro (PP-RJ).

— O senhor se restrinja ao tema da audiência pública. Não faça discurso — disse Bolsonaro ao assessor, que se rebelou.

— Fui proibido de falar pelo deputado Bolsonaro. Não tenho o que fazer aqui — disse Zaiden, que levantou-se e foi embora, aplaudido pelos manifestantes contrários a Feliciano. A sessão foi encerrada.”

 

Na sequência manifestantes são agredid=s e coagid=s pela Polícia Legislativa.

21.03.2013 – QUINTA – Twitaço #forafeliciano e ato durante a comemoração de 10 anos da SEPPIR. Várias manifestações e petições online são realizadas em todo país contra a omissão dos Direitos Humanos.

blogueiras2

Merece Registro

1. O site da CDHM: as informações da página da CDHM estão instáveis. O site chegou a ficar fora do ar, a pauta tem variado e não é postada com antecedência como ocorre nas demais comissões. Inclusive, a divulgação do presidente e seu currículo. É necessário controle social contínuo.

2. Mandado de segurança contra a eleição de Marco Feliciano para presidência da CDHM: um grupo, formado pelos deputad=s Jean Willys, Érica Kokay, Luiza Erundina, Nilmário Miranda, Domingos Dutra, Mariton Benedito de Holanda (Padre Ton), Janete Capiberibe e Janete Rocha Pietá, entraram com o pedido que foi distribuido ao Ministro Luiz Fux. A reivindicação é que a sessão que elegeu Marco Feliciano “não teve caráter público”.

Email do Min. Luiz Fux para que você expresse sua opinião sobre a decisão ideal neste caso: gabineteluizfux@stf.jus.br

3. PT entregou a CDMH para o PMDB que entregou ao PSC: Direitos Humanos não são negociáveis. A gestão da Comissão de Direitos Humanos e Minorias foi concedida ao PMDB pelo PT, que preferiu outra Comissão. Este cedeu para o PSC todas as suas vagas. Inclusive as do Pastor Feliciano e da vice-presidência. Precisamos contextualizar que o líder do PMDB na Câmara é Eduardo Cunha (PMDB-RJ), integrante da bancada religiosa e autor do Projeto de Lei que prevê criminalização do que ele batizou de “heterofobia”.

4. Nenhuma declaração da Presidência da República: a pauta dos Direitos Humanos é a pauta da própria democracia em si. Não somos minoria, somos minorizad=s. Discordamos que a bancada religiosa possa legislar em desrespeito explícito a laicidade do Estado. E que isto seja considerado “democracia”. Apenas no dia 21 de março surgiu a primeira declaração pública da Ministra Maria do Rosário da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. No qual a Ministra afirma que a sociedade “indica”que não é justo o que está ocorrendo. Nem mesmo o criminoso vídeo recentemente lançado pelo Pastor faz com que Dilma se posicione.

 

“Como a sra. avalia o que está ocorrendo na Comissão dos Direitos Humanos?

No governo, somos muito zelosos de não atuar de forma que desrespeite a autonomia entre os poderes, assegurada pela democracia e o que é básico. Todos sabem disso e não temos uma atitude de contraponto gratuito a decisões do parlamento. Mas nos direitos humanos, o Parlamento tem sido um parceiro da agenda brasileira. Em vários temas, como na Comissão da Verdade, na PEC do trabalho escravo (que expropria terras onde é flagrado esse tipo de mão de obra). Temos uma agenda de direitos humanos na Câmara muito forte. E que precisa avançar. E os rumos que a Comissão de Direitos Humanos tomou no atual período podem comprometer essa agenda.

O que pode ser feito?

Temos que trabalhar para que não existam problemas e aconteça um comprometimento negativo. Temos projetos de lei a ser votado e o Brasil precisa da comissão, dessa parceria. Sempre contamos com a comissão na defesa dos direitos humanos, foi construída com esse objetivo. A história dos direitos humanos no Brasil é uma história de pacificação da sociedade. E essa sociedade está indicando, de forma lúcida, que não é justo o que está ocorrendo. A comissão é o instrumento que ela tem para contar dentro da Câmara dos Deputados. É a defesa dos segmentos que sofrem preconceito, que são os mais vulneráveis. E a comissão não pode estar dissociada dessa pauta.”

 

5. Muitas agressões e cerceamento e abuso de poder por parte da Polícia Legislativa: Durante esta jornada de lutas muitas pessoas foram agredidas pela Polícia Legislativa. Uma truculência desnecessária. A Câmara dos Deputados é a Casa do Povo. Portanto, temos o direito de ir e vir, de ouvir as audiências, de entrarmos no plenário da Comissão, de nos expressarmos. Cabe a Polícia Legislativa prezar por nossa segurança. Infelizmente, o que ocorre é o avesso. Somos insultad=s, empurrad=s, cercead=s e agredid=s em todas as sessões. Inclusive, mulheres e crianças, o que revela a covardia da atuação policial no legislativo.

6. Frente Parlamentar pelos Direitos Humanos e defesa da dignidade humana: O lançamento da Frente foi realmente um dos episódios mais enriquecedores da democracia no Parlamento. A presença dos mais diversos movimentos sociais intensificou o que pleiteamos nas ruas. Nossos corpos, afetos, fé e cidadania não são mercantilizáveis. E vamos avançar em nossas lutas, apesar do retrocesso no Congresso.

Para melhor articular sua atuação, a Frente foi dividida em campos temáticos. São eles: democratização da terra, que será coordenado pelo deputado Domingos Dutra (PT/MA); criança e adolescente, deputada Érika Kokay (PT/DF); gênero, deputada Janete Pietá (PT/SP); verdade e direito à informação, deputada Luiza Erundina (PSB/SP); violência e grupos de extermínio, deputado Luiz Couto (PT/PB); étnica racial, deputados Luiz Alberto (PT/BA) e Padre Ton (PT/RO); combate à tortura e sistema carcerário, deputado Nilmário Miranda (PT/MG); idosos e pessoas com deficiência, deputado Vitor Paulo (PRB/RJ); juventude, deputada Alice Portugal (PCdoB/BA); liberdade, crença e não crença, deputado Chico Alencar (PSOL/RJ); e LGBT e outras expressões de gênero, deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ).

7. 150 líderes evangélicos pedem a saída de Feliciano e a CNBB também: Uma carta assinada por mais de 150 lideranças evangélicas pede a substituição do deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) na presidência da CDHM por um parlamentar mais “familiarizado” com o tema. O documento, divulgado pela Rede Fale, cobra dos deputados evangélicos que integram a comissão que definam um novo nome para comandar o colegiado e evitem o discurso de perseguição religiosa, utilizado pelo deputado para se defender das críticas à sua eleição.

O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), que integra as igrejas Católica Apostólica Romana, Episcopal Anglicana do Brasil, Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Sirian Ortodoxa de Antioquia e Presbiteriana Unida, também divulgou nota de repúdio à eleição de Feliciano. A CBJP (Comissão Brasileira Justiça e Paz), organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), manifestou por meio de uma nota oficial “sua solidariedade” às mobilizações sociais contrárias à permanência do deputado Marco Feliciano.

Acompanhe mais notícias sobre a jornada de lutas pelos Direitos Humanos no Congresso Nacional na página do facebook.

Algumas considerações.

Por Ana Vitória Sampaio.

pastor_marco_felciano3

No último dia 7/03 a sociedade brasileira foi testemunha de uma das maiores incoerências em seu cenário político. O Deputado Federal e Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) assumiu o maior posto da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal. Como simpatizante declarada do movimento LGBT, do movimento negro e demais minorias sociais, fiquei estarrecida com tamanha contradição. O tema tem sido destaque nas redes sociais e mídia brasileira, e vozes contrárias e favoráveis à nomeação podem ser ouvidas. De um lado os que são contra lamentam a fragilidade de nossa política e o destino das minorias citadas. De outro os partidários do Pastor levantam as mãos aos céus, agradecendo a Deus pela providência divina.

Teoricamente não sou contrária à presença de religiosos na política, desde que a laicidade do Estado seja respeitada. Acredito que protestantes, católicos, espíritas, seguidores das religiões afro-brasileiras (alvo de grande preconceito religioso e racial) e demais crentes possam ter seus representantes para defender seus direitos enquanto grupos sociais. Atualmente ateísta e ex-protestante, posso dizer que fui vítima da intolerância religiosa nos dois casos. Em um deles por não crer em deus, que é a minha atual situação. E no outro por ter acreditado nele fora dos desígnios da Igreja Católica.

Sim, é verdade que protestantes também são vítimas de discriminação. Isso vem acontecendo no Brasil desde o século XIX, quando alguns políticos e intelectuais começaram a discutir a entrada de imigrantes europeus, sendo alguns de origem protestante, e encontraram grande resistência em relação a esses últimos. Afinal, no Império em que a religião oficial era a católica, sua população não poderia conviver com “hereges”. É verdade que a Constituição de 1824 tolerava a presença de outras religiões, contudo elas não poderiam ter seus templos e suas manifestações deveriam estar limitadas ao âmbito doméstico. Só que com o enfraquecimento do sistema escravocrata (o fim do tráfico negreiro, as leis do ventre livre e do sexagenário e, por fim, a abolição da escravidão), e sendo o país racista o suficiente para não incluir os negros como mão de obra livre, a necessidade pela força de trabalho estrangeira falou mais alto. Com isso os imigrantes começaram a vir em larga escala e entre eles estavam os protestantes. A Proclamação da República, a separação entre a Igreja e o Estado, e a evolução do direito à liberdade religiosa não foram suficientes para erradicar de vez o preconceito. Sem querer entrar no mérito da diferença entre as Igrejas tradicionais, pentecostais e neopentecostais, muitas vezes os protestantes ainda são estigmatizados.

Entretanto, a presença de representantes religiosos no parlamento deveria estar baseada na defesa de seus direitos enquanto grupo, e não no uso de mecanismos políticos visando a imposição dos seus valores ao resto da sociedade, que é o que a Bancada Evangélica vem fazendo. Um Estado Laico não deve favorecer uma religião em detrimento de outras. Nenhum dogma deve sobressair-se a ponto de excluir o resto da sociedade. Por isso que a luta pelo casamento civil homoafetivo (por exemplo) diz respeito à laicidade, à democracia e à cidadania. De forma bem sintética, se entendermos a cidadania como a igualdade de direitos (civis, sociais, políticos, trabalhistas, humanos, e me desculpem se esqueci de mais algum), os grupos minoritários atacados pelo Pastor (os negros e os LGBT) são justamente aqueles que ainda não possuem essa cidadania assegurada. Dentro do Congresso a CDHM seria um dos mecanismos que trabalharia para erradicar essa desigualdade, cujo destino agora é incerto. É possível afirmar que a indicação de Feliciano à presidência da CDHM faz parte de uma estratégia da bancada evangélica que vem se fortalecendo nos últimos anos e ganhando cada vez mais apoiadores. E assumo: uma estratégia bem pensada. Existe forma melhor de combater o inimigo do que atacá-lo, justamente, em suas bases?

Em sua obra O poder da identidade Manuel Castells propôs-se a elucidar sobre as variadas formas de fundamentalismo religioso, entre eles o fundamentalismo cristão, focalizando as articulações dos protestantes na política norte-americana. Apesar de ater-se à realidade de outro país, é impossível não ler os estudos de Castells sem identificar fenômeno semelhante no Brasil. Se a família é a base da sociedade como muitos afirmam, a manutenção da família nuclear patriarcal é a forma mais ancestral e bem sucedida de controlar um povo. Não é a toa que esse discurso está presente nas vozes dos líderes religiosos que se encontram na Câmara, que não só combatem o casamento civil homoafetivo, como também atacam as feministas “aborteiras”, a ausência do ensino religioso na rede pública, o Kit Anti-homofobia do MEC e o PLC 122.

Duvido muito que as metas da bancada evangélica estejam baseadas somente no desejo de espalhar a fé cristã por meio da política. Ao contrário de muitos fiéis de origem simples, sendo que muitos não tiveram acesso à educação de qualidade, incentivo ao pensamento crítico, quiçá uma alfabetização realmente efetiva, esses deputados e líderes religiosos não são nada ignorantes. Eles sabem muito bem o que estão fazendo, que o que dizem vai contra qualquer preceito de igualdade e liberdade, e se aproveitam do lugar de destaque em que se encontram para manipular os fiéis de seus templos que, às duras penas, ofertam até o dinheiro que não tem.